A assinatura do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta) abriu espaço para análises no setor produtivo gaúcho, que acompanha com atenção os desdobramentos. Embora a medida seja considerada estratégica para diversificar destinos e fortalecer a imagem do Brasil no mercado internacional, lideranças do agro e da indústria no Rio Grande do Sul ressaltam que os ganhos dependerão da capacidade de adaptação, das regras sanitárias e de salvaguardas a cadeias mais sensíveis.
O tratado, firmado terça-feira (16) no Rio de Janeiro, envolve Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, países de alto poder aquisitivo e PIB combinado de US$ 1,4 trilhão. Prevê liberalização de cerca de 97% do comércio entre os blocos, redução gradual de tarifas e cotas específicas para setores agrícolas e industriais. O governo brasileiro estima um impacto de R$ 2,69 bilhões no PIB e incremento de R$ 3,34 bilhões nas exportações até 2044.
Para a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), o acordo pode abrir espaço para segmentos pouco explorados pelo Estado, como couro, tabaco, biodiesel e carne de frango. Em 2024, o RS exportou apenas 0,2% de sua pauta para a Efta, totalizando US$ 37,9 milhões, concentrados em couro, derivados de petróleo e alimentos. A entidade projeta que o desafio do RS será transformar potencial em ganhos concretos, com aumento de competitividade e alinhamento a padrões regulatórios e ambientais exigidos pela Efta.
Entre as entidades do agronegócio, o acordo é visto de forma positiva por abrir novas portas, mas acompanhado de cautela. O assessor de Relações Internacionais da Farsul, Renan Hein dos Santos, avalia que o tratado funciona como um selo de credibilidade internacional.
“É um acordo para um mercado importante, não no sentido de grandes volumes de exportação, mas porque são países com renda per capita muito elevada, voltados para produtos premium”, disse.
Ele destacou que carnes especiais, azeites de oliva premiados e charcutaria produzidos no RS têm potencial nesse nicho. “Esse tipo de produto, caro aqui, não é nada para eles. Abre um universo de possibilidades muito forte”, observou.
Na análise da Farsul, além do efeito imediato sobre segmentos de alto valor agregado, o acordo projeta o Brasil como parceiro confiável para futuras negociações.
“Pode ser visto pela União Europeia como um credenciamento do Brasil, de conseguir fechar um acordo comercial com um parceiro semelhante a ela”, avaliou Hein.
No setor de carnes, a expectativa é semelhante. Para o analista Fernando Iglesias, da consultoria Safras & Mercado, “quanto mais mercado o Brasil acessar, melhor para conseguir escoar sua enorme produção de carnes e outras commodities”. Ele pondera, contudo, que a execução prática depende da habilitação de frigoríficos junto às exigências sanitárias da Efta.
“Exportação de carne requer todo um processo de habilitação, não é algo tão simples. Tem que ficar atento para isso e ver os próximos passos”, explicou.
O presidente executivo do Sicadergs, Ronei Lauxen, reforça a importância da prudência neste momento. “Toda notícia de abertura de mercados ou redução de tarifas é animadora, mas ainda não podemos fazer previsões ou estimativas de volumes ou valores”, afirmou. Segundo ele, os efeitos só serão sentidos depois da ratificação, que pode levar meses.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) também avaliou de forma positiva a conclusão do acordo, destacando a importância da abertura adicional para a proteína animal brasileira. Pelo tratado, foi assegurada uma cota de mil toneladas anuais de carne de frango com tarifa zero, a ser redistribuída entre os países do Mercosul. No caso da Suíça, que já figura entre os maiores compradores do setor, houve ainda a conquista da isenção tarifária para a cota multiorigem definida pela Organização Mundial do Comércio, de 54,4 mil toneladas anuais, hoje sujeita a uma alíquota intra-cota de 13,5%.
Entre os países do bloco europeu, apenas a Suíça mantém o mercado aberto ao frango brasileiro. Por isso, no curto prazo, os efeitos práticos devem se concentrar nesse destino, já que ainda não há acordo sanitário para viabilizar exportações de carne suína à região.
A ABPA avaliou que o acerto “representa um importante reconhecimento ao Mercosul e um avanço estratégico”, principalmente pela previsibilidade regulatória e pela sinalização de facilitação de comércio. Na visão da entidade, o fortalecimento da relação com a Suíça contribui para a diversificação de destinos e consolida a imagem do Brasil como fornecedor confiável de proteína animal.
Com a ratificação ainda pendente nos parlamentos dos países membros, a expectativa é que o tratado só entre em vigor em 2026.
Fetag alerta para risco de prejuízo a cadeias vulneráveis
Se por um lado há entusiasmo, por outro surgem alertas de setores que historicamente enfrentam dificuldades em acordos internacionais. O presidente da Fetag-RS, Carlos Joel da Silva, chama a atenção para o risco de prejudicar cadeias vulneráveis, caso não haja salvaguardas.
“Toda abertura de mercado é importante, mas tem que ter alguns cuidados. Nós aqui também precisamos olhar para isso. Quando fizemos o Mercosul, tivemos o trigo, o leite e até o arroz, em determinado momento, prejudicados aqui no Estado”, lembrou.
Silva alertou que é “impossível” competir em igualdade de condições com produtores europeus fortemente subsidiados.
“Ou tu bota o mesmo subsídio que eles têm lá para os produtores aqui, ou tu tem que criar tarifa que traga o mesmo patamar de custo de produção para os produtores daqui. Se não, nós quebramos essas cadeias”, alertou.
O dirigente reforçou que não é contrário a tratados, mas defende “mecanismos que protejam a produção aqui e não penalizem os agricultores familiares”.
A preocupação da Fetag encontra respaldo no histórico comercial recente. Embora o Brasil seja grande exportador líquido de carnes e autossuficiente em leite na maior parte do tempo, há importações regulares da Europa nesses segmentos. No caso dos lácteos, entram no País queijos e leite em pó da Alemanha, França e Holanda, por exemplo, geralmente em momentos de alta de preços ou quebra de safra nacional.
Já nas carnes, as compras se concentram em cortes suínos e derivados de alto valor agregado, oriundos de países como Espanha e Dinamarca, voltados a nichos de consumo. O dirigente da Fetag ressalta que a ampliação dessas importações sem salvaguardas poderia pressionar ainda mais cadeias já fragilizadas, como a do leite no Rio Grande do Sul.

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