
Crédito, Getty Images
- Author, Iara Diniz
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
Há 1 minuto
Tempo de leitura: 7 min
O relator do PL da Dosimetria no Senado, senador Espiridião Amin (PP-SC), deu parecer favorável ao projeto aprovado aprovado na Câmara dos Deputados, mas acatou uma emenda apresentada pelo senador Sergio Moro (União-PR) para limitar o alcance da proposta aos crimes contra o Estado Democrático de Direito.
No parecer apresentado nesta quarta-feira (17/12), Amin afirma que o texto, que reduz as penas de condenados pelos crimes relacionados aos atos de 8 de janeiro, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), não beneficia "crimes comuns" nem representa uma "blindagem ampla".
Esse ajuste é uma resposta às brechas do texto aprovado na Câmara, que, segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil, beneficia condenados por uma série de outros delitos, inclusive do crime organizado.
"Há um impacto inegável em outros crimes relacionados à corrupção, de colarinho branco, e até mesmo em crimes sexuais que não são hediondos", afirma Rodrigo Azevedo, professor da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e membro do Fórum de Segurança Pública.
"Para crimes relacionados com organizações criminosas e facções, há previsão para reduzir cumprimento de pena em regime fechado, indo no sentido contrário do que foi aprovado no PL Antifacção, de endurecimento de penas", acrescenta.
As brechas do PL da dosimetria
Antes da apresentação da emenda de Amin, o principal ponto mencionado por juristas estava na mudança do artigo 112 da Lei de Execução Penal, que define as regras para a progressão do regime das penas de prisão.
Pela legislação atual, condenados por crimes com violência e grave ameaça — nos quais se incluem os crimes contra instituições democráticas —, só tem possibilidade de mudança de regime — do fechado para o semiaberto, ou do semiaberto para o aberto — após o cumprimento de 25% da pena.
A proposta aprovada pela Câmara diminui esse percentual para um sexto da pena — cerca de 16% —, mas coloca como exceção apenas os crimes contra a pessoa e contra o patrimônio listados nos títulos 1 e 2 do Código Penal, como feminicídio, latrocínio, homicídio.
O projeto, entretanto, ignora uma gama de outros crimes cometidos com violência e grave ameaça que não estão contemplados nos títulos 1 e 2, explica Luisa Moraes Abreu Ferreira, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Ela cita, por exemplo, delitos como coação no curso do processo — crime pelo qual o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é réu —, fuga de prisão e o embaraço a investigação de organização criminosa.
Esse último crime inclui situações em que investigados intimidam testemunhas, destroem provas, ocultam bens ou dificultam o trabalho da polícia e da Justiça em processos envolvendo facções.
"Seria impossível não beneficiar condenados por outros crimes, até porque a lei tem que ser genérica", afirma Ferreira.
"Seria discutível a constitucionalidade de um projeto exclusivo para os condenados pelos atos golpistas do 8 de janeiro. Não haveria justificativa para que somente esse tipo penal progredisse de forma diferente."
Outro ponto do projeto que chama a atenção do advogado criminalista Guilherme Furniel é a mudança na forma de aplicação das penas para crimes contra as instituições democráticas.
O texto do PL da Dosimetria determina que, nesses casos, seja aplicado o chamado concurso formal, em vez do concurso material, aos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Na prática, isso significa que o condenado cumpriria a pena do crime mais grave, de golpe de Estado, que tem pena de até 12 anos, e com um acréscimo de um percentual da pena do outro crime, e não a soma integral das condenações.
Segundo Furniel, essa alteração, por si só, já reduziria a pena dos condenados pelos atos golpistas, mas também abriria margem para beneficiar condenados por outros crimes.
"No Direito Penal, normas mais benéficas ao réu não podem ser aplicadas de forma restrita a um grupo específico. Então quando surge uma norma em benefício do réu, ela automaticamente se estende a situações análogas", diz o criminalista.
A iniciativa do relator de acatar uma emenda de redação para restringir o alcance do projeto é uma estratégia regimental para evitar que o texto retorne à Câmara para uma nova votação dos deputados.
Pelo rito legislativo, qualquer alteração no mérito do texto feita pelo Senado obrigaria o projeto a voltar a outra Casa legislativa.
O PL da Dosimetria vai ser analisado nesta tarde pela Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado. Se aprovado, ele pode ser votado no plenário ainda nesta quarta.
A proposta chega à Casa após uma votação tumultuada na Câmara e críticas sobre a abrangência do texto, que mobilizou diversos senadores para tentar salvar o projeto.
Em entrevista à BBC News Brasil na segunda-feira (15/12), o senador Otto Alencar (PSD-BA), que preside a CCJ, adiantou que a proposta não seria aprovada na forma como chegou da Câmara.
Assim como Moro, ele também apresentou uma emenda para que lei se restringisse aos condenados por crimes relacionados ao 8 de janeiro.
"Dentro desse projeto foram colocados vários artigos que ampliam [a progressão de pena] também para outros condenados em várias outras modalidades. Essa matéria não terá votos para ser aprovada como veio da Câmara", disse, reconhecendo que a proposta "vai de encontro ao combate a organizações criminosas".
Na terça-feira (16/12) o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que é ex-delegado de polícia, protocolou seu voto pela rejeição do projeto na CCJ.
No voto, ao qual o portal de notícias g1 teve acesso, Vieira diz que o Senado "não pode incorrer na incoerência de endurecer o discurso contra o crime organizado com uma mão, prometendo rigor à sociedade, mas, com a outra, aprovar uma legislação que abre as portas das prisões sem qualquer razoabilidade."
'Benevolência do Legislativo é de ocasião'
Para Luisa Ferreira, o problema central do PL da Dosimetria não está, em si, na flexibilização das regras de progressão de regime, mas no contexto político em que a proposta foi construída.
"Não acho que é um problema flexibilizar regras de progressão de regime considerando a situação prisional no Brasil. Pelo contrário, deveríamos discutir isso para mais crimes", afirma a professora da FGV, em referência à superlotação dos presídios.
"O problema é o Congresso só se mobilizar quando o destinatário da norma tem nome e sobrenome e sem um estudo sério sobre isso", afirma Luisa, destacando o interesse dos parlamentares em beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão pelo STF pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Na avaliação dela, o projeto segue uma lógica oposta à que historicamente orientou o Legislativo em matéria de lei penal. Ela lembra do pacote anticrimes, proposto pelo então ministro da Justiça e hoje senador, Sergio Moro (União-PR), durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). O pacote endureceu penas para diversos crimes e teve amplo apoio no Congresso.
Para Furniel, o PL da Dosimetria evidencia uma "benevolência legislativa de ocasião", que não está preocupada em repensar o sistema carcerário ou a progressão de penas para a população em geral.
"O que a gente sempre viu foi o endurecimento penal, a criação de mais crimes, mais penas, sem um estudo sério do reflexo e resultado disso", diz o criminalista.
"Esse projeto de lei vai na contramão do que o Congresso faz há décadas, para tentar amenizar a situação jurídica de uma parcela específica de pessoas condenadas."
Como o PL da Dosimetria afeta Bolsonaro
O PL 2.162/2023, chamado de PL da Dosimetria, altera pontos do Código Penal e da Lei de Execução Penal, como regras de cumprimento da prisão, e reduz penas de condenados por crimes contra a democracia.
Parte do projeto diz respeito aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, hoje tipificados no Código Penal.
A nova regra faz com que as penas por dois crimes — golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito — não sejam mais somadas. Passa a prevalecer apenas a pena maior, para tentativa de golpe de Estado, de 4 a 12 anos.
Com isso, as penas totais de Bolsonaro e dos demais condenados pelos ataques de 8 de janeiro seriam reduzidas.
O projeto também prevê uma progressão mais rápida da pena em regime fechado, reduzindo o tempo mínimo para saída após cumprimento de até 1/6 nos casos em que não foi constatado nenhum crime contra a vida. A lei hoje exige 1/4.
Também estabelece a contabilização dos dias de trabalho ou estudo de detentos em prisão domiciliar para a redução da pena.
Nesse cenário, o período de cumprimento da pena em regime fechado de Bolsonaro poderia cair para até 2 anos e 4 meses, caso ele trabalhe e estude na prisão, segundo o relator da proposta, deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP).
A estimativa anterior era de que o ex-presidente cumpriria a pena em regime fechado até abril de 2033, totalizando mais de 7 anos.
A pena a qual foi condenado em setembro, de 27 anos e três meses de prisão, também seria reduzida por conta da absorção do crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito pelo de golpe de Estado.
O PL também reduz entre um e dois terços as penas para crimes que forem praticados em contexto de "multidão". Neste caso, a mudança não afetaria Bolsonaro, que foi considerado pela Justiça como um dos líderes da trama golpista.
Caso vire lei, o projeto deve beneficiar todos os condenados com Bolsonaro em setembro pela tentativa de golpe de Estado: o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira; o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; e o deputado federal Alexandre Ramagem.
Eles foram condenados a penas que variam de 16 a 24 anos em regime fechado.
Segundo a Agência Câmara, como o projeto prevê que a lei pode retroagir para beneficiar o réu, a nova regra implicaria a revisão das sentenças para dois crimes, prevalecendo a pena do crime maior (de 4 a 12 anos) por tentativa de golpe de Estado. Agravantes e atenuantes ainda seriam aplicáveis sobre o cálculo.
A conta final das penas de prisão ainda seria definida pelo Supremo Tribunal Federal.

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