Crédito, Serenity Strull via Getty Images
- Author, David Robson*
- Role, BBC Future
Há 22 minutos
Em 2024, uma equipe de psicólogos da Universidade de Amsterdã, na Holanda, examinou uma ideia aparentemente simples: será que responder 14 perguntas especialmente elaboradas pelos seus pais poderia ajudar as crianças a se sentirem mais amadas?
O experimento se baseava em conhecimentos psicológicos comprovados.
Como os pesquisadores destacaram no relatório, sabe-se que se sentir amado pelos pais é "fundamental para a saúde e o bem-estar das crianças". Por isso, encontrar formas de alimentar este sentimento pode trazer muitos benefícios para as famílias.
Experimentos anteriores com adultos, realizados por outros pesquisadores, sugeriram que formular as perguntas certas pode ajudar as pessoas a se sentirem mais próximas umas das outras.
Conhecido como o "procedimento de amigos rápidos", este processo despertou a atenção global há alguns anos, muito além dos departamentos de pesquisa, quando um jornalista testou as perguntas em um encontro amoroso.
No seu formato clássico, o procedimento de amigos rápidos envolve duplas de adultos que formulam questões pessoais, profundas e provocadoras entre si — como, por exemplo:
Se uma bola de cristal pudesse dizer a verdade sobre você mesmo, sua vida, o futuro ou qualquer outra coisa, o que você iria querer saber?
Este procedimento incentiva os participantes a revelar mais sobre seus sentimentos mais íntimos, o que pode alimentar um senso de conexão.
Em adultos, o teste foi reproduzido com sucesso em diversos contextos diferentes. Mas será que funcionaria para o elo entre pais e filhos?
O psicólogo social e do desenvolvimento Eddie Brummelman, da Universidade de Amsterdã, e seus colegas testaram esta hipótese, adaptando as questões do procedimento clássico de amigos rápidos para crianças de oito a 13 anos e seus pais.
Eles, então, colocaram os pais e as crianças para conversar. Os pais puderam fazer a seus filhos perguntas como:
Se você pudesse viajar para qualquer lugar do mundo, qual país você gostaria de visitar? Por quê?
Qual foi a sua experiência mais estranha até hoje?
Quando foi a última vez em que você se sentiu sozinho? O que fez você se sentir assim?
Em seguida, as crianças responderam a um questionário simples, para avaliar o quanto elas se sentiam amadas e apoiadas, antes e depois de discutirem as perguntas com seus pais.
A conversa levou apenas nove minutos, mas a avaliação das crianças foi significativamente mais alta no final do experimento. O resultado indica que o procedimento, de fato, aumenta sua sensação de serem amados.
Não foi apenas por acaso que conversar desta forma fez a diferença. A conversa corriqueira, como ocorre quando os pais perguntam qual o filme ou o sorvete favorito das crianças, por exemplo, apresentou menos probabilidade de gerar essa mudança.
Brummelman achou algumas das interações extremamente comoventes. "Realmente, fiquei arrepiado", ele conta. "Elas eram muito, muito significativas."
Ele percebeu que, em alguns casos, as famílias não haviam explorado aqueles assuntos antes. "Tocamos em temas que, aparentemente, as pessoas não comentam de forma espontânea."
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Brummelman indica que as pessoas (e, particularmente, os pais, quando conversam com seus filhos), muitas vezes, se afastam de temas dolorosos ou negativos. Mas estas perguntas levam os familiares a demonstrar seus medos e vulnerabilidades.
"Em vez de falar apenas sobre diversão e trabalho, pais e filhos falaram sobre a morte, por exemplo", ele conta. "Aquilo os incentivou a comentar temas que realmente importam."
Os resultados do estudo coincidem com descobertas anteriores da pesquisa psicológica, em relação ao impacto da "autorrevelação" — o intercâmbio de informações pessoais ou particulares que uma pessoa revela à outra durante uma conversa.
Atalho para a intimidade?
Em 2015, uma reportagem do jornal The New York Times viralizou ao explorar a autorrevelação em encontros amorosos, concentrando-se em 36 questões específicas. Fazer aquelas perguntas poderia ajudar as pessoas a se apaixonarem, segundo os jornalistas.
Mas este conceito, na verdade, pode ser aplicado a qualquer conversa, mesmo sem seguir o roteiro inicial, segundo Brummelman. "É mais uma mudança de mentalidade do que uma lista de perguntas."
Desde o princípio, o procedimento de amigos rápidos foi projetado para ampliar as conexões sociais em geral, como explico no meu livro sobre a amizade, The Laws of Connection ("As leis da conexão", em tradução livre).
Este experimento foi criado por Arthur Aron, da Universidade Stony Brook em Nova York, nos Estados Unidos.
Ele e seus colegas suspeitaram que a sensação de proximidade das pessoas, em qualquer diálogo, dependeria do seu nível de autorrevelação. Para testar esta hipótese, eles prepararam dois grupos diferentes de pontos para discussão.
Um grupo continha questões mais gerais, que estimulavam conversa fiada. O outro era concentrado em momentos ou pensamentos de transformação, pessoais e mais profundos.
Os participantes foram divididos em pares e receberam uma série de questões para discutir nos 45 minutos seguintes. Metade das duplas recebeu as perguntas que estimulavam conversa fiada, como:
Como você comemorou o último Halloween?
Onde você cursou o ensino médio?
Você acha que as pessoas canhotas são mais criativas que as destras?
Qual foi o último show que você viu? Quantos álbuns daquela banda você tem? Você já os havia visto antes? Onde?
Todas as questões eram perfeitamente razoáveis, mas não necessariamente se aprofundavam na vida interior da outra pessoa.
Os demais participantes receberam conceitos mais profundos, como:
O que constitui um dia perfeito para você?
Você tem algum pressentimento secreto sobre como irá morrer?
O que você acha sério demais para que se faça uma brincadeira, se é que existe algo?
A sua casa, com tudo o que você tem, pega fogo. Depois de salvar seus entes queridos e animais de estimação, você ainda tem tempo para uma tentativa final de salvar um item com segurança. O que seria? Por quê?
Este foi o grupo de alto nível de autorrevelação, destinado a incentivar conversas sobre pensamentos, sensações e experiências mais pessoais.
Depois de 45 minutos, os participantes receberam uma série de questões para que eles pudessem descrever o quanto se sentiram próximos do seu parceiro de estudo, em uma escala de 1 a 7. Foi então calculada a média das avaliações para chegar ao resultado.
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Nesta escala, as pessoas incluídas no grupo de alto nível de autorrevelação avaliaram sua proximidade em cerca de quatro. Já os que jogaram conversa fora avaliaram sua proximidade em cerca de três.
Este resultado é particularmente surpreendente, se compararmos as novas amizades com seu círculo social existente. Muitos deles só atingiram níveis parecidos de intimidade após vários anos de relacionamento.
"Os participantes avaliaram o relacionamento com seus parceiros de menos de uma hora como estando próximos do relacionamento médio de suas vidas e das vidas de outras pessoas", concluíram Aron e seus colegas.
Um follow-up informal, depois de sete semanas, descobriu que muitos deles permaneceram em contato após o experimento.
No estudo original, Aron e seus colegas alertaram que o procedimento deve ser tratado com cautela e que as pessoas não devem considerar que o simples fato de fazer as perguntas resultará em uma amizade duradoura.
Assim nasceu o "procedimento de amigos rápidos". Seus efeitos sobre as conexões sociais já foram reproduzidos em muitos outros estudos.
Susan Sprecher, da Universidade Estadual de Illinois, nos Estados Unidos, testou recentemente o procedimento de amigos rápidos com mais de 100 duplas de estudantes. Alguns deles se encontraram presencialmente e outros conversaram online.
"As pessoas se sentiram mais próximas usando o procedimento, independentemente de se comunicarem por vídeo ou pessoalmente", afirma ela.
O efeito opioide
Os efeitos da conversa podem ser observados dentro do corpo. Aquele entusiasmo que sentimos quando nos conectamos com outras pessoas vem do nosso sistema opioide.
Trata-se da mesma parte do cérebro que reage à droga morfina. Mas o cérebro também tem sua própria fonte de substâncias, conhecidas como endorfinas, que chegam a esses receptores.
Quando ativado, o sistema opioide produz sensações agradáveis, como euforia, além de um senso de conexão social e união.
Estudos com animais não humanos indicam que atividades sociais, como jogos e sedução, podem induzir a liberação desses neurotransmissores, criando um circuito retroalimentador de aumento da conexão. E, aparentemente, a autorrevelação causa o mesmo efeito.
Para explorar a possível ligação entre os opioides naturais, a autorrevelação e a conexão social em seres humanos, Kristina Tchalova, da Universidade de Toronto, e Geoff MacDonald, da Universidade McGill, em Montreal, ambas no Canadá, começaram fornecendo a um grupo de participantes uma pastilha de naltrexona, que evita que os opioides naturais do cérebro atinjam seus receptores.
Outro grupo de participantes recebeu um placebo. Os dois grupos foram organizados em pares e passaram pelo "procedimento de amizade rápida", com cada um fazendo ao seu parceiro as perguntas da lista fornecida.
Mas o exercício para estabelecer proximidade não funcionou tão bem para o grupo que teve os receptores de opioides bloqueados.
Estes processos fisiológicos ajudam a explicar por que parece tão bom ter conversas profundas e significativas, que, por sua vez deveriam aumentar a conexão entre as pessoas ao longo do tempo.
Reduzindo o fosso
Estudos recentes exploraram se as conversas de amizade rápida podem aumentar a conexão entre pessoas de diferentes grupos sociais e até se elas funcionam com a separação física.
Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Hagen, na Alemanha (uma instituição de ensino remoto), estudou se o procedimento poderia ajudar os alunos a permanecer estudando. Sabe-se que a educação à distância, muitas vezes, enfrenta altas taxas de abandono de cursos.
Os pesquisadores ofereceram uma versão online da tarefa a 855 estudantes remotos inscritos no curso de graduação em Psicologia.
Como esperavam os pesquisadores, o procedimento de amizade rápida não só aumentou a sensação de conexão social entre os colegas virtuais, mas também fez com que mais estudantes prosseguissem no curso até o exame final, sem abandoná-lo.
Esta maior sensação de proximidade foi encontrada independentemente das diferenças de fatores demográficos, como idade ou status imigratório.
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Na mesma linha, cientistas da Universidade Stony Brook, em Nova York, demonstraram que este procedimento ajuda a fortalecer a conexão social entre pessoas com diferentes orientações sexuais.
Depois de discorrerem sobre as 36 questões de autorrevelação com participantes homossexuais, pessoas heterossexuais apresentaram posturas menos preconceituosas durante uma pesquisa e maior sensação de proximidade em relação àquela pessoa.
Uma lição importante do procedimento de amigos rápidos pode ser simplesmente que, muitas vezes, podemos ser um pouco mais corajosos do que acreditamos.
Um estudo recente de Nicholas Epley, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, e seus colegas concluiu que as pessoas, de forma geral, são relutantes a praticar a autorrevelação, por considerarem que a outra pessoa não irá se interessar pelo que elas têm a dizer. Mas estes temores eram majoritariamente infundados.
Criando o diálogo
Nas suas aulas online, Susan Sprecher frequentemente incentiva seus alunos a aplicar a técnica com alguém que já faz parte da sua vida ("sua mãe, seu colega de quarto, seu namorado atual") e pedir em seguida para que a pessoa relate como foi a experiência.
"E estas evidências isoladas também indicam que as pessoas simplesmente gostam de fazer isso", ela conta. E, para alguns, pode até trazer mais sorte no amor.
"A filha de uma amiga fez isso no primeiro encontro", conta Sprecher. "Hoje, eles estão casados."
Nas interações do dia a dia, podemos não querer nos restringir rigidamente às questões específicas, mas sim aplicar o princípio de autorrevelação de forma mais geral, segundo os pesquisadores.
"Tenha em mente que não é apenas questão dos pais fazerem perguntas, mas também de permitir ao filho que questione e fornecer a ele respostas sinceras", explica Eddie Brummelman.
"Adote uma postura de igualdade e confiança e não tenha medo de tocar em assuntos que possam gerar emoções negativas."
Para quem ainda não souber ao certo como atingir o equilíbrio ideal, sem compartilhar demais, as perguntas dos estudos de Brummelman e Arthur Aron fornecem um bom começo. E talvez tragam melhores conversas e laços mais próximos por toda a vida.
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