O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta terça-feira (3) que a violência cotidiana a que ele e seus colegas de corte estão sujeitos, de formas físicas e psicológicas, é maior do que se imagina e a principal das sanções sofridas pelos magistrados.
Dino deu as declarações ao responder sobre as expectativas em relação a uma possível retaliação do governo dos Estados Unidos a membros do STF em resposta a julgamentos da corte contra aliados da gestão de Donald Trump.
"Acho que a sanção mais aguda que a gente sofre é a sanção cotidiana da violência física, psicológica, simbólica sobre nós e nossas famílias. Que é muito maior do que qualquer um possa imaginar. É uma violência enorme, gigantesca", afirmou durante evento da revista Piauí.
Ele afirmou que tem dois filhos pequenos e que, quando um deles tinha três anos (e Dino era governador), presenciou um indivíduo gritando ofensas a ele e gravando o momento com o celular. Com o tempo, diz o ministro, o garoto aprendeu a criar uma "programação" que se acostumou a esses momentos.
"Essa é a sensação que mais incomoda. E todo mundo [entre os ministros] teria uma história para contar. Eu tenho dez", afirmou. "Há 20 anos, não existia isso. Realmente não existia. Então, eu acho que essa é a sanção principal. As outras, realmente, não são objeto de preocupação", disse.
Ele afirma que ninguém vai deixar de julgar o que tiver que julgar por conta das ameaças, em referência às possíveis medidas dos Estados Unidos. "Realmente eu não vejo ninguém preocupado com isso a sério", disse.
O ministro afirma entender o atual nível de beligerância das discussões públicas e o fato de os juízes terem virado alvo na arena pública como uma consequência da busca de certas ideologias para, diante do vazio que têm, serem performáticas e precisarem causar. Para ele, uma das formas de instigar isso é a litigância —o que faria o Judiciário ocupar um lugar que, diz, já foi dos judeus.
O ministro participou de encontro que discutiu a relação entre os três Poderes da República e, em sua visão, vê no momento duas grandes crises. Uma delas é o que chamou de "desinstitucionalização", que atinge tanto as entidades estatais quanto a sociedade como um todo.
"Olhando o Brasil do lugar que eu estou, eu enxergo exatamente esses dois vetores, a desinstitucionalização, dramática, e não só no Estado mas também na sociedade civil, muito fortemente. Basta lembrar o papel das entidades empresariais, sociais, há décadas atrás e situar", disse.
Outro problema é o desafio da governabilidade. Em sua visão, não é possível que uma força política consiga comandar sozinha o país e por isso as alianças são necessárias em qualquer governo. "Porque é difícil construir a hegemonia no Brasil. É um país grande territorialmente, é um país muito fragmentado", disse.
"Ora, se você tem um sistema nominalmente presidencialista, e se chama presidencialismo porque a figura fulcral é o presidente, mas esse presidente, que é a figura fulcral, não consegue atrair outras forças políticas, como é que governa?", questiona, sem citar o atual mandato do presidente Lula.
Dino também criticou o poder concedido pelas emendas aos parlamentares ao lado de instrumentos como os fundos partidário e eleitoral. Para ele, isso impede a alternância na política.
"Alternância de poder hoje no Brasil é meramente retórica. Hoje o parlamentar acumula três grandes fontes de votos. Fundo partidário, fundo eleitoral e emendas. Quando você lida com isso, lida com aspectos muito agudos", disse.
O ministro também foi questionado sobre sua visão acerca do caráter impositivo das emendas, quando o Poder Executivo é obrigado a executar os recursos apontados pelo Congresso. Mas ele não respondeu. O tema deve ser julgado pelo STF no futuro e ministros são impedidos de antecipar sua visão.
Dino expressou ver com naturalidade o fato de determinadas decisões do Congresso irem ao STF. Para ele, certamente a recente aprovação de proposta que enfraquece o licenciamento ambiental seguirá o mesmo caminho. "Tão certo quanto o fato do glorioso Botafogo ser campeão da Libertadores. Eu digo da Libertadores passada, né? A futura eu já não me comprometo".
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