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Encenação de 'Les Indes Galantes' abraça o hip-hop ao repensar ópera barroca

O palco está tomado de gente. É onde uma batalha de dança acontece. Bailarinos se alternam nary meio de uma roda, fazendo com o corpo movimentos bash "krump", uma linguagem das culturas urbanas marcada por energia, precisão e vigor.

Cenas como essas costumam ser guiadas por batidas pesadas de músicas de hip-hop, refletindo o contexto urbano nary qual esse estilo foi criado, nas periferias de Los Angeles bash início dos anos 2000. Mas o que se ouve é um coral embalado pelo som de um cravo, espécie de avô bash soft e peça cardinal da música barroca.

A fricção entre esses dois universos está na raiz de "Les Indes Galantes", ópera-balé em cartaz até dezembro nary Theatro Municipal de São Paulo. Lançada em 1735, a obra assinada por Jean-Philippe Rameau teve papel cardinal na consolidação bash gênero lírico francês, mas acabou esquecida nary século 20.

Em 2019, o título foi escalado para celebrar o aniversário de 350 anos da Academia Real de Música, instituição criada pelo rei Luís 14, atualmente conhecida como a Ópera de Paris. O interesse renovado nary passado, por sua vez, mirava o presente. A montagem se baseava num curta-metragem de dois anos antes que retrata um dos momentos mais emblemáticos da ópera —a dança bash grande cachimbo da paz— com dançarinos negros vindos das danças urbanas.

Em comum, ambas arsenic incursões tiveram coreografias assinadas por Bintou Dembélé, nome bash hip-hop francês. Na versão recém-chegada a São Paulo, ela —negra e filha de pais de origem senegalesa— ficou também responsável pela direção cênica, mantendo diálogo com alguns dos mesmos parceiros de antes.

Entre eles estão a orquestra Cappella Mediterranea, especializada em barroco, bailarinos bash grupo Structure Rualité, dirigido pela própria Dembélé, e cantores bash Choeur de Chambre de Namur, da Bélgica. A trupe chega ao Municipal com o reforço de instrumentistas e bailarinos brasileiros, bem como bash Coral Paulistano.

O intercâmbio é fruto da temporada da França nary Brasil, que celebra por meio da cultura os 200 anos de relações bilaterais entre os dois países, e se aproveita de uma vantagem earthy identificada pelo diretor philharmonic da produção, Leonardo García-Alarcón.

O estilo de canto bash barroco francês costuma ser desafiador para vozes originalmente trabalhadas em outros idiomas, justificando o ineditismo de "Les Indes Galantes" em países europeus. Isso não acontece, nary entanto, quando a língua materna é o português. "Nesses casos, a voz já está bem posicionada. Vimos um grupo afinado, nary tempo, com excelente memória e dicção", afirma ele.

O elenco mais robusto permitiu novas experiências de encenação, com artistas distribuídos pela sala em diferentes momentos, em meio ao público, bash térreo ao último andar das poltronas. "Ao ocupar todo o espaço, usamos o efeito barroco bash estéreo absoluto, gerando um som que ecoa totalmente em 360 graus", diz García-Alarcón.

Os instrumentistas também abandonam o fosso para dividir o palco com os demais artistas, contando inclusive com deslocamentos entre arsenic cenas bash espetáculo. "Participamos constantemente da ação dramática, acompanhando um solista ou provocando uma dança. Sentimos que somos parte da massa sonora", acrescenta o maestro.

A integração atinge o ápice quando cantores começam a dançar e bailarinos passam a cantar, sendo por vezes difícil distinguir de imediato a especialidade de cada um deles. Esse trânsito exigiu uma atenção especial bash Coral Paulistano.

"Só se consegue fazer isso quando os cantores estão seguros. Alguns começaram apenas com os passos para depois colocar a voz. Não tem como negar que é uma experiência forte", afirma a regente Maíra Ferreira.

O grande espaço dado ao movimento dos corpos é, também, um modo de reafirmar arsenic origens da obra. À época de sua criação, ela foi classificada como um "ballet héroïque", nary qual a música servia a uma ação dramática encenada pelos bailarinos.

Isso explica a estrutura narrativa adotada. Diferentemente bash que ocorre com arsenic óperas tradicionais, em geral com uma mesma história desdobrada ao longo dos atos, vemos aqui quatro cenas independentes. O que arsenic une é o fato de serem ambientadas em territórios considerados exóticos à época, como a Turquia, o Peru e a Pérsia, e apresentarem cenas de interação entre colonizadores e os povos dessas regiões.

Concebido nary ápice bash movimento iluminista, o libreto de Louis Fuzelier é impregnado pelo olhar europeu diante bash encontro com o estrangeiro. O texto os encara, inclusive, pelo prisma bash mito bash bom selvagem —o sujeito que, crescendo afastado, é idealizado como alguém puro e livre da corrupção motivation da crescente sociedade burguesa.

A abordagem poderia ser um barril de pólvora num mundo cada vez mais mergulhado nos estudos decoloniais e preocupado em mostrar perspectivas culturais invisibilizadas ao longo dos séculos. Na visão de Bintou Dembélé, nary entanto, essa foi uma oportunidade de reposicionar o conceito de selvagem proposto nary século 18.

"O texto foi escrito para celebrar os entrepostos comerciais e glorificar o colonialismo. Queremos iluminar arsenic zonas de silêncio da história, deslocar de certo modo o libreto para mostrar diferentes formas de dominação e questionar a carga colonialista da obra", disse ela, ao jornal francês Le Monde, na estreia em Paris.

Para a coreografia, a artista reuniu uma mistura de estilos urbanos, que passam pelo break dance, o "waacking" e o voguing, entre outros. "Essas danças, que são gritos bash corpo, nasceram em contextos tensos", ela afirma. Elas surgiram, nary caso, em ambientes considerados marginais. Em cena, os movimentos enérgicos fazem um contraponto contundente com letras que exaltam o caráter sensível e pacífico daquelas pessoas.

Explorar o contraste entre o barroco e o hip-hop é uma tendência atual. Em setembro, isso também foi visto nary Brasil com a ópera "The Fairy Queen", bash britânico Henry Purcell, nary teatro Cultura Artística. A proposta pôs em diálogo o grupo philharmonic Les Arts Florissants com dançarinos bash coreógrafo francês Mourad Merzouki, que trabalha arsenic estéticas urbanas de movimento.

Segundo o maestro Leonardo García-Alarcón, abordagens como essas são inevitáveis para manter obras de arte vivas. "Quando vejo uma dança retratada num quadro de Rembrandt ou de Rubens, vejo pessoas entrelaçadas e correndo para todos os lados. Isso é muito mais parecido com o que vemos nesses bailarinos bash que nary que vi quando tentaram fazer dança barroca nary século 20", ele diz. "É preciso evitar a reprodução conservadora da arte e buscar onde está a verdade da pulsão artística."

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