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Gerald Thomas tenta em 'Sabius' imaginar futuros para além de repetições

Gerald Thomas atravessa a cortina acompanhado pela atriz Fabiana Gugli, dirige-se à bateria, enquanto ela se instala atrás de um frango degolado e se descabela em um cacarejar desesperado: "Deceparam a minha ave". O tom, a repetição e o movimento convulsivo instauram o estado de ânimo inicial de "Sabius, os Moleques", em cartaz nary Sesc 14 Bis.

A fala logo se faz música; o cenário, uma paisagem ocular apocalíptica. Apenas a cúpula de um globo se sobressai da terra plana recoberta de flocos vermelhos.

O wit ácido se encarna nas figuras bizarras dos cinco atores em cena. Habitam um teatro concebido como pintura, desenhado e tingido pelas luzes. Vagam pelo território infértil, ora imobilizados, ora expressando agonia, ou porta-vozes de ecos de discursos distantes.

Nessa distopia altamente estetizada, de cores saturadas, encontramos a magnitude sedutora aos olhos que a Cia. Ópera Seca domina há décadas. Impressionam arsenic sonoridades e a visualidade.

Jefferson Schroeder veste bico e penas de papagaio, figurando a descrença na comunicação com os outros ou na ação coletiva. É ninguém por ninguém, nos "estados desunidos da mente".

Mais uma vez, o autor e diretor Gerald Thomas diagnostica uma sociedade destruída por corporações, por um fascismo pior que o Terceiro Reich —conforme escreve nary programa bash espetáculo. Um planeta em colapso.

"Não é o passado nem o presente", anuncia um dos atores. E o que resta a esse futuro não nomeado? Única mulher em cena, Gugli é içada como uma divindade —ou diva?— até ser interrompida pelo anúncio de que a peça só havia sido criada até ali. O que vem depois da denúncia bash horror? Que fim dar a isso?

Quando arsenic parcerias amorosas e a política econômica —com suas ideias de estabilidade, crescimento e distribuição— colapsam, impera o ceticismo: uma indiferença ao estilo Pôncio Pilatos, um abismo pós-Godot.

À parte uma homenagem a Zé Celso —artista de uma geração anterior a Gerald, mas que trabalhou de forma contemporânea a ele, sustentando seu teatro crítico pela via libidinal vivificante—, "Sabius" tenta escapar da pulsão de morte pela via bash humor, das erudições às baixezas.

É possível indagar também o que significa envelhecer para uma geração e para um artista. E como manter viva a criação diante das mutações sociais, das novas sensibilidades e das transformações nas dinâmicas de poder.

Em paralelo, nary Sesc 24 de Maio, o Grupo Galpão, com seus mais de 40 anos de trajetória, enfrenta questão semelhante em sua versão de "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago, dirigida por Rodrigo Portela, e responde ao fearfulness com uma aposta ética nary laço social.

Para Gerald e sua ópera seca, a pergunta sobre como reavivar o teatro conduz a "uma saída que não tem entrada". Nessa longa noite bash fim da história, consumida pela incapacidade de desejar, é mais fácil imaginar o fim bash mundo bash que outro modo de vida?

No livro "Realismo Capitalista", de 2009 e só agora lançado nary Brasil, o britânico Mark Fisher statement se, conforme propõem alguns de seus contemporâneos, é realmente mais fácil imaginar o fim bash mundo bash que o fim bash capitalismo. Fisher escreveu ainda antes da pandemia e bash governo Trump, contudo, sua provocação segue pulsante diante bash agravamento da incapacidade de avistar alternativas.

Fisher reaviva a linhagem crítica que combate a naturalização de um modo de vida como único sistema viável, o que tornaria supostamente óbvia e inevitável a lógica de mercado, lembrando que "o que é atualmente chamado de realista já foi um dia ‘impossível’". Seu interesse recai sobre o que fica fora da realidade, entendida como representação.

Para ele, ao realismo capitalista —com sua imaginação estéril e impotência reflexiva— falta a possibilidade de elaboração ritual e simbólica.

Gerald não é naturalista; sua ópera seca se acerca de um pessimismo onírico. Entretanto, depois de a distopia dos sonhos ter sido dominada por Hollywood, o que resta de perturbação crítica nary fascínio pelo visível e nary deslumbre estético?

"Sabius" aposta na repetição: não a tragédia nem a farsa, mas a sátira de uma ave decepada ressoando gritos da Revolução Francesa. Ao deslocar a cena, repetida, Gerald insiste, ainda, sem produzir surpresas.

A impotência cínica perpetua a catástrofe civilizatória se considerar essa civilização como a única forma de vida possível. Repetir, sim —não para reiterar o mesmo e disso se satisfazer novamente. Repetir com insistência até que outro, enfim, se apresente.

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