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Moradores de Canudos acionam Justiça e pedem reparação por massacre de 1897

O antigo arraial um dia liderado pelo beato Antônio Conselheiro foi inundado pelas águas do açude de Cocorobó, construído nos anos 1950. Mas na cidade de Canudos (405 km de Salvador), erguida ao lado da represa do rio Vaza-Barris, permanecem as memórias do massacre que ocorreu no fim do século 19.

A Guerra de Canudos, conflito entre o Exército Brasileiro e moradores do arraial, completa 130 anos de seu início em 2026 e deve voltar ao centro de uma disputa que envolve memória e reparação.

Um grupo de seis cidadãos da cidade protocolou uma ação popular contra a União pedindo reparação pelo massacre que dizimou o arraial, deixando entre 20 mil e 25 mil mortos na região. Eles exigem um pedido formal de desculpas à população e pleiteiam uma indenização de R$ 300 milhões para o município.

Entre os autores da ação estão o prefeito Jilson Cardoso (PSD) e outros cinco moradores do município, parte deles descendentes de sobreviventes do massacre ao arraial após quatro expedições do Exército em 1896 e 1897.

"Canudos foi destruída pelas forças do Exército. Era uma das maiores povoações da Bahia naquela época e foi simplesmente dizimada", resume Cardoso. Ele defende que a União reconheça a sua responsabilidade no conflito e ajude o município a se desenvolver.

A Guerra de Canudos colocou em lados opostos o Exército e os moradores do arraial. A região enfrentava uma crise econômica e social, resultado da estiagem, e sertanejos se uniram sob a liderança do beato Antônio Conselheiro.

O clima de agitação incomodou as elites locais, e foram espalhados rumores de que o grupo atacaria cidades vizinhas e partiram para capital para depor o governo republicano e instalar novamente uma Monarquia. O Exército foi enviado a Canudos, mas acabou derrotado nas três primeiras expedições.

A quarta expedição foi um massacre: casas foram incendiadas, famílias inteiras assassinadas e mulheres violentadas pelas tropas do governo Prudente de Morais.

Canudos foi destruída e reconstruída duas vezes pelos sobreviventes do massacre. A primeira vez foi durante o conflito, encerrado em 1897 com e a morte de Antônio Conselheiro e a capitulação dos sertanejos. Foi reconstruída sobre os escombros do arraial e ali se manteve até ser inundada pela nova represa.

A povoação se tornou uma cidade em 1985, quando foi desmembrada de Euclides da Cunha, assim batizada nos anos 1930 em homenagem ao escritor que narrou a epopeia da guerra no livro "Os Sertões". A agricultura irrigada é o pilar econômico do município, que possui 2.500 hectares de plantações de banana nas margens do Vaza-Barris.

A ação judicial, assinada pelos advogados Paulo Menezes e Claudiane Reis, classifica o massacre de Canudos como um genocídio, destaca que os crimes são imprescritíveis e que os efeitos dos danos causados pelo conflito são contínuos, atingindo sucessivas gerações de moradores.

Eles alegam que a guerra deixou marcas profundas na memória coletiva da população local. E destacam que a destruição do arraial resultou na perda dos meios de subsistência, deixando a população "na mais absoluta miséria".

A violência das execuções sumárias também é citada como um trauma coletivo que repercute até os dias atuais. "As gerações subsequentes cresceram sob o peso de uma história de massacre e injustiça", afirmam.

O juiz responsável pelo caso intimou os autores a justificarem a escolha por uma ação popular, meio processual utilizado para anulação de atos lesivos ao patrimônio público. Procurada, a AGU (Advocacia -Geral da União) informou que ainda não foi intimada no processo.


Além da indenização, que seria destinada aos cofres municipais, os moradores exigem políticas públicas de valorização da memória, com a criação de museus e programas educacionais que informem sobre os eventos de Canudos, garantindo que as futuras gerações e reflitam sobre essa tragédia histórica.

Também pedem um programa regional de desenvolvimento com a perenização do rio Vaza-Barris, a ampliação do perímetro irrigado, saneamento básico e até a construção de uma réplica da antiga Canudos com foco no turismo.

"Não precisa mandar recurso direto para a prefeitura, queremos investimento. Canudos tem um potencial enorme que precisa ser explorado", diz o prefeito, que organiza para 5 de outubro um ato em memória das vítimas da guerra.

A retomada de Canudos é um sonho antigo da comunidade e mobilizou até o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa. Em 2007, quando levou a Canudos a montagem de "Os Sertões", do Teatro Oficina, Zé Celso escreveu um manifesto em que defendeu o "desmassacre" da região, com investimentos em infraestrutura e resgate da memória histórica.

Um dos signatários da ação judicial, o professor Edmilson Ferreira, 50, é bisneto de Pedro Calixto de Oliveira, Pedrão, um dos mais destacados conselheiristas, como eram chamados os seguidores de Antônio Conselheiro.

Ele era um dos responsáveis por arrecadar donativos para ao arraial e sobreviveu após fugir pouco antes da tomada de Canudos pelo Exército. Morreria em 1958, aos 88 anos, se tornando um dos poucos sobreviventes do antigo arraial enterrados no cemitério da nova Canudos.

Edmilson defende a criação de um memorial aos mártires de Canudos como forma de resgate da história e reverência aos seus protagonistas.

"Meu avô sempre falava que Canudos morreu de uma maneira cruel. Mas nosso povo sempre demonstrou vontade de superar as dificuldades. Agora, queremos trazer de volta a esperança em forma de reparação e reconhecer a luta dos nossos antepassados", afirma.

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