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Mundo pode registrar primeira alta em mortes infantis em 25 anos

O documento descreve 2025 como um “ponto de virada” em que avanços tecnológicos convivem com sistemas de saúde fragilizados, cortes em financiamento e desigualdades ampliadas. A combinação, segundo os autores, ameaça desfazer parte do progresso que reduziu pela metade a mortalidade infantil desde o início dos anos 2000.

Prefeitura de BH prorroga campanha de vacinação contra a paralisia infantil — Foto: Divulgação/PBH

Por que as mortes estão voltando a subir

Não há uma única causa, mas uma convergência:

  • queda nas coberturas vacinais,
  • enfraquecimento da atenção primária,
  • retorno de doenças evitáveis,
  • insegurança alimentar e vulnerabilidade social,
  • sistemas de saúde sobrecarregados e desiguais.

Para o pediatra e infectologista Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o cenário global reflete uma “combinação perigosa”. Ele cita queda nas taxas de vacinação, aumento da pobreza e impacto residual da Covid-19 na estrutura de saúde:

“É um conjunto de fatores que pressiona todos os indicadores. A pandemia desacelerou muito as quedas e expôs fragilidades profundas. Quando sistemas de saúde não conseguem responder, esses retrocessos aparecem primeiro nas crianças.”

Kfouri relembra que a mortalidade neonatal — mortes nos primeiros 28 dias — continua sendo um dos pontos mais críticos.

“As principais causas de morte infantil ainda estão associadas à gestação, ao parto e às infecções preveníveis. A chave para virar esse jogo está justamente nas vacinas e no fortalecimento da atenção básica.”

Vacina contra a Covid-19 passa a fazer parte do calendário nacional de vacinação infantil de rotina — Foto: Prefeitura de Jundiaí/Divulgação

Vacinação baixa aumenta internações e mortes

O relatório aponta que a queda na vacinação é um dos fatores centrais para o aumento das mortes infantis. No Brasil, essa relação já aparece na prática: hospitais registram mais internações e óbitos por doenças evitáveis, especialmente entre não vacinados.

Diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o pediatra Juarez Cunha explica que a baixa adesão a vacinas que já estão disponíveis leva a um aumento imediato de internações e de mortes:

“Quando uma vacina deixa de ser aplicada, reflete nos números. No Rio Grande do Sul, a maioria das pessoas que foram internadas e morreram por influenza este ano não estava vacinada —e estamos falando de uma vacina que está disponível.”

Ele relembra que, entre crianças, a cobertura de gripe não chegou a 50% em 2024, o que amplia o número de casos graves.

A pediatra Isabella Balallai, também diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destaca que o efeito não é apenas individual:

“Com baixa adesão, a demanda explode. E, dependendo da estrutura do serviço de saúde, isso leva a consequências muito importantes, não só para a criança, mas para a saúde pública inteira.”

Atenção primária frágil amplia risco de mortes evitáveis

Segundo o relatório, até 90% das mortes infantis poderiam ser evitadas com atenção primária forte, que inclui:

  • pré-natal adequado,
  • acompanhamento do bebê,
  • acesso a vacinas,
  • detecção precoce de infecções,
  • nutrição segura.

Cunha reforça essa visão:

“Grande parte das mortes infantis é evitável. O pré-natal de qualidade é decisivo, porque muitos óbitos ocorrem no período neonatal. Se não cuidamos bem da gestante, essa morte aparece depois no bebê.

Inovações que podem reverter a tendência

O documento destaca avanços capazes de salvar milhões de vidas:

  • Vacinas maternas, como a do vírus sincicial respiratório (VSR), recém-introduzida no Brasil.
  • Esquemas reduzidos de pneumocócica (PCV), que mantêm proteção e reduzem custos.
  • Tecnologias contra malária, como mosquiteiros com duplo inseticida e mapas digitais para direcionar ações.
  • Tratamentos de longa ação para HIV, que diminuem novas infecções e mortes em bebês.

Para Cunha, a vacinação materna contra o VSR é emblemática:

“É uma estratégia com impacto enorme: protege o bebê antes mesmo do nascimento. Mas, para funcionar, a adesão precisa melhorar — e isso vale para todas as vacinas da gestante, como gripe, Covid-19, coqueluche.”

Criança sendo imunizada contra a poliomielite em Porto Velho; paralisia infantil; gotinha; vacinação — Foto: Divulgação/Prefeitura de Porto Velho

E o Brasil? País avança, mas desigualdades preocupam

Ao contrário da tendência global apontada pela Fundação Gates, o Brasil tem registrado queda recente na mortalidade infantil, segundo o Ministério da Saúde. Os especialistas ouvidos pela reportagem, porém, fazem um alerta: essa melhora não é homogênea.

Eles destacam que existem regiões com 100% de cobertura vacinal e outras, mais vulneráveis, “com índices muito baixos dentro da mesma cidade”:

"Essa desigualdade de acesso cria bolsões de risco. Foi o que vimos desde 2016, quando as coberturas começaram a cair e as mortes por doenças imunopreveníveis subiram. Agora estamos recuperando as coberturas, e isso se reflete nos números", diz Cunha.

Kfouri complementa que o Brasil tem vantagens — como o SUS e um PNI robusto —, mas não está imune ao cenário global:

“Quando há fragilidade sistêmica, a criança é sempre a primeira a adoecer e a primeira a morrer. A lição do mundo vale para nós também: sem cobertura vacinal alta e atenção básica forte, as mortes evitáveis voltam.”

O relatório projeta que cortes internacionais em saúde podem resultar em:

  • 12 milhões de mortes infantis adicionais até 2045, se o corte for de 20%;
  • 16 milhões de mortes, se o corte chegar a 30%.

Ao mesmo tempo, inovações já disponíveis poderiam salvar até 9 milhões de crianças no mesmo período — combinando vacinas de nova geração, prevenção de malária e imunização materna.

O futuro, dizem os autores, depende de uma escolha global: continuar perdendo terreno ou investir para que as crianças sobrevivam aos primeiros anos de vida, o período mais vulnerável da existência humana.

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