Crédito, Anand Pandian
- Author, Cecilia Barría
- Role, BBC News Mundo
Há 11 minutos
Descendente de uma família indiana, Anand Pandian nasceu, cresceu e construiu sua carreira nos Estados Unidos.
Professor de antropologia na Universidade Johns Hopkins em Baltimore, no Estado de Maryland, e presidente da Sociedade de Antropologia Cultural (SCA, na sigla em inglês), ele percorreu o país durante oito anos para explorar as profundas fissuras que dividem os americanos em uma sociedade polarizada.
Ele estava interessado em desenvolver conversas informais e íntimas com pessoas comuns que têm uma visão de mundo diferente da sua, para entender as razões que as levam a pensar da maneira como pensam.
Pandian encontrou muros psicológicos fortemente ancorados em emoções como desconfiança, suspeita, desconforto e ceticismo, que tendem a isolar as pessoas.
Com base na experiência adquirida durante suas viagens, ele acaba de publicar um livro chamado Something Between Us: The Everyday Walls of American Life, and How to Take Them Down ("Algo entre nós: Os muros cotidianos da vida americana, e como derrubá-los", em tradução livre), no qual compartilha os resultados da sua pesquisa.
A BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, conversou com Anand Pandian sobre o que ele descobriu.
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BBC News Mundo - Nos últimos oito anos, você viajou pelos Estados Unidos como antropólogo, tentando entender os muros psicológicos que dividem seu país. Por quê? Como surgiu essa ideia?
Anand Pandian - Nós, antropólogos, prestamos atenção à vida cultural das pessoas, às relações sociais que organizam suas vidas. Queremos entender o contexto histórico, social e cultural que as levam a agir da maneira que agem.
Existem muitos tipos de muros, como os muros dos nossos prédios que nos separam fisicamente, mas também existem muros metafóricos ou psicológicos, como a desconfiança, a suspeita, a sensação de desconforto e ceticismo que as pessoas geralmente sentem quando ouvem ideias e histórias que soam desconhecidas para elas, que não se encaixam em sua visão da realidade.
BBC News Mundo - Muros psicológicos, como quando dizemos que os outros vivem em uma bolha, e não percebemos que também vivemos em nossa própria bolha.
Pandian - Sim, é verdade que vivemos em nossas próprias bolhas, e uma das principais razões pelas quais decidi fazer este trabalho é porque eu queria pensar e imaginar o país além da minha própria bolha.
Quando Donald Trump venceu a eleição de 2016, percebi que havia muitas pessoas que pensavam diferente, que tinham outras posições e, como antropólogo, eu precisava entender como chegamos a essa situação, especialmente na questão da migração, no sentido de saber se realmente há lugar para pessoas de diversas origens.
Ao explorar essas situações, percebi inúmeras vezes o quanto as pessoas estavam se isolando em suas vidas diárias.
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BBC News Mundo - Você poderia me dar um exemplo que represente esse isolamento?
Pandian - Eu vi isso nos condomínios fechados que se tornaram tão comuns neste país, e em toda a tecnologia de segurança que substitui os encontros cara a cara com estranhos. Campainhas com câmeras como alternativa para simplesmente abrir a porta quando alguém bate.
Há hábitos cotidianos que refletem isolamento, como usar menos as ruas, e passar mais tempo só com conhecidos, ou depender de carros cada vez maiores, projetados para proteger contra possíveis perigos.
Passei a entender que todos esses hábitos de se proteger, de se separar, de se isolar, têm muito a ver com essas ideias que parecem ter capturado o imaginário de tantos americanos. E é essa a história que tento contar no livro.
BBC News Mundo - Durante todos esses anos viajando pelo país, qual foi a experiência mais inesperada, aquela que teve o maior impacto a nível pessoal, ao interagir com pessoas que têm uma visão de mundo diferente da sua?
Pandian - Foi uma experiência muito interessante porque descobri reações muito diferentes entre pessoas com uma visão de mundo diferente da minha, com ideias políticas diferentes das minhas, com maneiras muito distintas de entender o que o país precisa, e quem somos como americanos.
Fiquei surpreso que algumas pessoas se mostraram muito mais flexíveis do que eu esperava, e muito dispostas a conversar comigo, refletir sobre nossas ideias e explorar as diferenças entre nossas opiniões, às vezes chegando a um acordo.
Penso, por exemplo, em um dos personagens sobre os quais escrevo no livro, Paul, um corretor imobiliário em Dakota do Norte.
Ele é um republicano de longa data, profundamente comprometido com as posições do partido, mas, por outro lado, também era um defensor da conservação do solo e da água, e também tinha posições muito diferentes das do seu partido em questões como imigração.
Foi uma grata surpresa ver que alguém com quem eu não esperava ter muito em comum, no fim das contas, tinha uma posição muito mais matizada e, enfim, simplesmente havia muito o que conversar.
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BBC News Mundo - E como foi a experiência com os mais intransigentes?
Pandian - Também conheci pessoas com quem não havia nada que pudéssemos compartilhar. Não conseguimos chegar a nenhum acordo. Não havia como encontrar pontos em comum e, nesses casos, a esperança era simplesmente entender por que nossas divisões eram tão profundas.
Um exemplo disso seria a pessoa que eu chamo de Frank no livro, um pequeno empresário de uma cidade no sul de Michigan. Eu o conheci em uma conferência libertária em Las Vegas, visitei sua cidade e passei alguns dias lá.
Ele me visitou em Baltimore, e ficamos em contato por vários anos, durante os quais discutimos muito, especialmente na época da pandemia, sobre temas como vacina e a necessidade de usar máscara ou sobre política, economia, migração e muitas outras coisas. Mas, em todos os casos, tínhamos perspectivas radicalmente diferentes.
E o que tento mostrar no livro é como nossos próprios ecossistemas midiáticos, de onde obtemos nossas informações, e como desenvolvemos nosso próprio senso de realidade, influenciou bastante a impossibilidade desse entendimento mútuo.
BBC News Mundo - Falando sobre a dificuldade de chegar a um acordo, como foi sua experiência com nacionalistas brancos no Tennessee?
Pandian - Fui a uma manifestação nacionalista branca em Shelbyville, no Tennessee, onde as pessoas argumentavam que as diferentes raças não podiam, simplesmente não podiam conviver, e defendiam a ideia de dividir os EUA em uma série de etnoestados, onde cada raça teria seu próprio país.
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BBC News Mundo - Essa foi a visão mais extrema que você encontrou durante suas viagens?
Pandian - O objetivo do livro não é tanto focar nos extremos, mas ver como as ideias extremas podem ser tão facilmente normalizadas.
De certa forma, eu diria que essas forças de isolamento, suspeita, desconfiança e ceticismo na nossa sociedade se integraram à nossa vida cotidiana.
Então, de muitas maneiras, o livro trata do que passamos a entender como normal e do que pode acontecer quando as circunstâncias de isolamento e separação radicais se tornam normais para tanta gente.
Este projeto é sobre isolamento, e tenta entender por que as políticas isolacionistas se tornaram tão poderosas neste país, a ponto de as pessoas imaginarem se isolar completamente do resto do mundo e daqueles que não são como elas.
E a conclusão a que cheguei é que não podemos entender o isolacionismo político sem analisar o isolamento cotidiano.
Crédito, Anand Pandian
BBC News Mundo - Como o isolamento social e a polarização podem ser reduzidos, especialmente agora que uma narrativa política que divide as pessoas entre aliados e inimigos, que gira em torno do ódio, se espalhou?
Pandian - Isso tem a ver com a forma como entendemos os fundamentos da exclusão social e da discriminação.
Acho que tendemos a pensar muito no ódio, que é uma emoção muito forte e ativa. E certamente há evidências de ódio neste país.
Mas a indiferença é igualmente perigosa e, em alguns aspectos, ainda mais perigosa, porque é difícil de ver. A indiferença de não se importar com as outras pessoas, de não prestar atenção, de não perceber. E, de muitas maneiras, este é um livro sobre os efeitos da indiferença.
Por outro lado, o que aprendi com essa pesquisa é que há uma diferença real entre os muros que rejeitam qualquer relacionamento com as pessoas de fora, e os muros mais abertos e porosos que ainda permitem a possibilidade de uma relação com lugares, pessoas e ideias que nos são estranhas.
Precisamos deste tipo de abertura se quisermos descobrir como viver juntos no mundo. E é neste ponto, creio eu, que essa dimensão psicológica se torna muito importante.
Embora tenhamos muitas tendências de isolamento, também temos a experiência de movimentos sociais que se concentraram em unir as pessoas, criar alianças inesperadas e encontrar maneiras de viver juntos.
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