Leão com seu filhote.

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Legenda da foto, Na maioria dos mamíferos, os cuidados parentais são essenciais para garantir a sobrevivência dos filhotes
    • Author, A. Victoria de Andrés Fernández
    • Role, The Conversation*
  • Há 20 minutos

Na verdade, nossa ideia de "bom pai" não é determinada apenas pela espécie a que pertencemos, e mesmo entre os Homo sapiens, os contextos culturais fizeram com que o "pai ideal" do século XXI não tenha absolutamente nada a ver com o que seria considerado um bom pai para um homem da antiga Pérsia imperial.

Existem todos os tipos de comportamentos imagináveis (e também inimagináveis) por parte dos pais (os genitores do sexo masculino) em relação aos seus filhos.

Contudo, do ponto de vista estritamente biológico, seria possível sim encontrar uma definição objetiva de "bom pai" com base em argumentos da evolução.

Sob essa ótica, um bom pai seria aquele que garante a sobrevivência de sua prole, pelo menos até que ela atinja a maturidade sexual. Ou seja, todo comportamento paterno que aumente as chances de reprodução dos filhos seria considerado uma caraterística vantajosa, algo que aumente a eficiência biológica da espécie e, por isso, tende a ser favorecido pela seleção natural.

Os cuidados parentais, portanto, trazem benefícios evolutivos. Mas, por mais estranho que pareça, são surpreendentemente raros. Por quê?

Pais que não são presentes — e nem se espera que sejam

A primeira razão estaria relacionada com o nosso hábito de tentar identificar se o bebê recém-nascido se parece mais com a mãe ou com o pai.

Em muitas espécies que passam por fases larvais, essa discussão seria irrelevante, porque "a criatura" não se parece com nenhum dos pais.

Sua aparência é radicalmente diferente. Tanto que, quando o conhecimento biológico era ainda mais limitado, as diferentes fases de vida de muitas espécies eram frequentemente consideradas não apenas espécies diferentes, mas grupos (filos) completamente distintos.

Na verdade, essas diferenças entre pais e filhos não são apenas anatômicas e fisiológicas, mas também ecológicas.

Isso quer dizer que os filhotes, em suas fases iniciais de vida, não compartilham o mesmo habitat que os pais e vivem em "mundos" diferentes.

Larvas de mosquito.

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Legenda da foto, Larvas de um mosquito compartilham aparência e habitat completamente diferente dos pais

Vamos pegar um exemplo conhecido por todos: os mosquitos.

As larvas dos mosquitos são como "minhocas" que vivem, comem, respiram e se desenvolvem na água, enquanto seus pais vivem em outro mundo: o aéreo.

Nessas condições, a interação é praticamente nula, a convivência não existe e os cuidados parentais não são possíveis.

Poderíamos pensar que, quando não há fase larval, os pais se importariam mais com seus filhotes, pressupondo que cuidariam daquilo que se parece com eles.

Mas podemos descartar essa hipótese. Na maioria das espécies, os pais simplesmente ignoram a própria prole assim que os ovos eclodem.

O que determina se os pais cuidam ou não dos filhos?

São vários os fatores que parecem influenciar, e para entendê-los é necessário ter em mente uma obviedade: é preciso estar vivo para cuidar dos filhos.

Dito isso, não poderiam ser bons pais todos aqueles em que o processo reprodutivo resulta na morte, como é o caso dos salmões.

Mesmo que quisessem, eles não poderiam cuidar dos seus filhotes já que, depois de subir o rio onde nasceram, eles morrem após a desova.

Outro fator a ser considerado é o número de filhos gerados em um só ciclo de reprodução. É evidente que é complicado "preparar o café da manhã" para 20 mil filhotes, ainda mais quando eles se misturam com outros 20 mil filhotes de vizinhos, o que pode acontecer com muitas espécies marinhas que se reproduzem por fecundação externa.

Um terceiro fator indispensável para cuidar dos filhos é a possibilidade de ter um lugar seguro onde eles possam sobreviver enquanto os pais saem em busca de alimentos.

A existência desse "ninho-lar" é uma característica comum entre mamíferos e aves, além de insetos sociais, como as abelhas e as formigas.

O ambiente em que os filhotes crescem também influencia bastante, tornando os cuidados parentais essenciais para garantir sua sobrevivência.

Por exemplo, as fêmeas do aracnídeo Mastigoproctus giganteus transportam seus filhotes em uma câmara incubadora localizada no abdômen, garantindo a umidade essencial para que eles sobrevivam em ambientes extremamente áridos.

Ainda mais curioso é como, no caso de algumas espécies predadoras, a própria natureza delas influencia esse comportamento.

Um exemplo interessante é o de muitos tubarões, que utilizam as chamadas nursery grounds, uma espécie de "berçários" submarinos, onde as mães-tubarão nadam ao redor dos seus filhotes, protegendo-os contra ataques dos próprios machos da espécie.

Um orangotango segurando um filhote.

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Legenda da foto, Todas as espécies de mamíferos e boa parte das aves nascem com um alto grau de indefesa e precisam de cuidados

Mas, talvez, o que mais determina a existência de cuidados parentais seja o nível de dependência dos filhotes, ou seja, seu grau de indefesa por não terem capacidade de se alimentar e sobreviver sozinhos.

Aqui incluímos todas as espécies de mamíferos — que dependem da amamentação materna durante a primeira fase de vida—, mas também a maioria das aves, que precisam de cuidados depois do nascimento até começarem a se desenvolver de forma autônoma.

Se juntarmos todos esses requisitos, os cuidados parentais se desenvolveram principalmente em espécies que não morrem após a reprodução, que têm desenvolvimento direto (sem fase larval), que têm poucos descendentes, que não veem seus filhotes como possível alimento e, o mais importante, cujos filhotes precisam dos pais para sobreviver.

Nesse grupo extremamente reduzido de espécies estariam, basicamente, os insetos sociais, aves modernas e os mamíferos euterianos, cujo desenvolvimento embrionário ocorre dentro do útero.

Pais presentes e ativos

Os vertebrados não mostram uma grande variedade de formas de cuidar dos filhotes, e parece haver uma certa predominância de um tipo de cuidado nos grupos evolutivos de cada linhagem.

Nos poucos peixes ósseos que cuidam dos filhotes, geralmente são os machos que assumem essa função. No conhecido exemplo dos cavalos-marinhos, é o pai cavalo-marinho que carrega a prole até que eles possam nadar livremente.

Nesse caso, a fêmea se limita a depositar os ovos fecundados na bolsa ventral do parceiro, que é quem fica "grávido".

Por sua vez, os machos cíclidos, que incluem alguns peixes de água doce, secretam uma espécie de leite-muco pela pele, do qual se alimentam os filhote, embora essa tarefa seja compartilhada com as mães.

Pinguins e vários filhotes

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Legenda da foto, Os pinguins são um exemplo conhecido de pais que cuidam de seus filhotes

No entanto, o caso mais conhecido de pais presentes e ativos no cuidado dos filhotes é o das aves, em que o cuidado é majoritariamente biparental.

Esse comportamento é consequência do desenvolvimento homeotérmico de seus embriões, ou seja, os ovos precisam estar quentes para serem chocados. Se esfriarem, o desenvolvimento embrionário é interrompido.

Nessa atividade intensa e contínua, a seleção natural permitiu o revezamento e favoreceu a monogamia social. Em 95% das espécies de aves, os casais permanecem juntos durante a temporada de reprodução e ambos os pais chocam os ovos.

O vínculo entre mãe e filho no caso dos mamíferos

Nos mamíferos, os cuidados "parentais" são majoritariamente maternos.

Nós temos a sorte dos embriões não serem devorados por predadores, pisoteados, ou vítimas de várias outras circunstâncias que afetam as espécies ovíparas.

No nosso caso, o desenvolvimento embrionário e fetal acontece dentro do útero materno, quentinho, seguro e aconchegante. Esse vínculo entre mãe e filho continua durante o período de amamentação (que também é responsabilidade das fêmeas).

Tudo isso representa um enorme aumento na taxa de sobrevivência dos filhotes. No caso dos primatas — e especialmente dos seres humanos —, as habilidades da espécie se multiplicam quando se dedica muito tempo a "ensinar", desenvolvendo uma herança dupla (genética e cultural).

Isso merece uma reflexão importante: a grande vantagem que a viviparidade representa para os mamíferos é paga quase exclusivamente pelas fêmeas (no nosso caso, pelas mulheres).

Assim, o "bom pai humano" tem a fascinante possibilidade de equilibrar essa balança injusta com amor, tempo e ensinamento aos filhos.

Felizmente, cada vez mais homens estão descobrindo esse privilégio.

* A. Victoria de Andrés Fernández é professora titular do Departamento de Biologia Animal da Universidade de Málaga.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).