Imagem de árvore sozinha em meio a área desmatada

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Os vetos foram em artigos como os que facilitavam desmatamentos na Mata Atlântica e os que reduziam exigências para empreendimentos considerados de médio porte. Os vetos foram anunciados nesta sexta-feira (8/8) por ministros do governo.

Ao mesmo tempo, o Executivo enviou ao Congresso Nacional medida provisória com efeito imediato que implementa um tipo de licenciamento ambiental sugerido pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil -AP) que pode abrir brechas para acelerar projetos para a exploração de petróleo em regiões como a bacia sedimentar da Foz do Amazonas, na costa do Amapá.

O governo também enviou ao Congresso um projeto de lei em regime de urgência constitucional (com trâmite mais rápido) sobre alguns dos pontos que foram vetados.

Os vetos foram anunciados no último dia que o governo tinha para tomar essa decisão.

O projeto foi batizado como "PL da devastação" por ambientalistas, de um lado, e defendido como uma medida para "destravar" obras e outros empreendimentos econômicos por segmentos como a bancada do agronegócio no Congresso.

Segundo representantes do governo, a estratégia adotada pelo governo foi a de vetar pontos considerados prejudiciais ao meio ambiente e propor, seja por meio de um novo projeto de lei ou por meio de uma medida provisória, alternativas ao texto aprovado pelo Legislativo, que havia sido criticado por cientistas e ambientalistas.

Ambientalistas comemoraram os vetos feitos pelo governo feitos após mobilização de diversas organizações da sociedade civil.

"Saudamos os vetos presidenciais como medida essencial para corrigir distorções graves no texto aprovado pelo Congresso [...] De toda forma, consideramos que a decisão do governo é uma vitória da mobilização social, como respeito à vontade popular", disse a organização não-governamental Greenpeace Brasil, por meio de nota.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conhecida como "bancada do agro", por outro lado, disse, por meio de nota, que ainda irá analisar o conteúdo dos vetos feitos pelo governo.

"O conteúdo sersá analisado detalhadamente para que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) conheça as alterações, mas certos de que os relatórios do Dep. Zé Vitor, na Câmara dos Deputados, e da Sen. Tereza Cristina, no Senado Federal, são frutos de amplo diálogo e da representativa adesão do Congresso Nacional", disse a FPA.

O projeto que cria uma lei geral para o licenciamento ambiental havia sido aprovado pelo Congresso em julho deste ano. Os vetos do governo, no entanto, ainda precisam ser validados ou não pelo Parlamento.

Caso sejam derrubados, o texto aprovado em julho passa a entrar em vigor, o que seria uma derrota política para o governo.

Na avaliação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, os vetos feitos pelo presidente Lula tiveram um caráter "estratégico".

"Eu já sinalizava isso em todas as entrevistas que eu dava, de que nós iríamos fazer, como eu já disse, vetos estratégicos para preservar a integridade do licenciamento, e isso ficou assegurado", disse a ministra durante entrevista coletiva.

A ministra substituta da Casa Civil, Míriam Belchior, disse que a estratégia do governo ao vetar trechos do projeto de lei aprovado pelo Congresso, mas enviar uma MP e um projeto de lei ao mesmo tempo, é manter canais de diálogo abertos com o Parlamento.

"[Fazemos isso] para continuar o diálogo democrático com o Congresso. Nós estamos enviando um projeto de lei com urgência constitucional que repõe questões importantes que, com os vetos, trariam vácuos na legislação [...] Nos parece um movimento importante de diálogo com o Congresso nacional de não ficarmos ficar só vetando. Queremos continuar dialogando nesses temas", disse Belchior.

O secretário-executivo do Secretaria das Relações Institucionais (SRI), Gustavo Ponce de Leon, disse que o governo tenta trabalhar para que haja consenso junto ao Congresso em relação aos vetos. Segundo ele, uma derrubada pelo Parlamento poderia levar a questionamentos jurídicos junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

"A gente trabalha para que não ocorra [derrubada de vetos] e que haja a construção de um consenso e um diálogo com o Congresso porque isso é que vai permitir uma legislação sólida, harmônica e evitar a judicialização. Possíveis derrubadas dos vetos podem acirrar processos de judicialização", afirmou.

Entenda abaixo os principais itens vetados por Lula e as medidas adotadas pelo governo em relação ao projeto do licenciamento ambiental:

Foto de Marina Silva durante entrevista coletiva com fundo azul, amarelo e vermelho

Crédito, Rogério Cassimiro/MMA

Legenda da foto, Ministra do Meio Ambiente defendeu vetos do governo como 'estratégicos'

Licença simplificada para empreendimentos

O governo vetou um trecho do projeto aprovado pelo Congresso que determinava que empreendimentos de pequeno e médio potencial poluidor pudessem passar pelo Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC).

Com o veto, apenas os projetos com pequeno potencial poluidor podem ser submetidos a este tipo de licenciamento.

Esta modalidade é mais simples pois não há necessidade de o responsável pelo empreendimento apresentar ou realizar estudos de impacto ambiental.

Estes estudos trazem informações sobre as consequências ambientais de um determinado projeto ou atividade econômica na localidade onde se planeja instalá-lo.

Atualmente, por determinação do STF, apenas empreendimentos de pequeno porte e de pequeno potencial poluidor poderiam utilizar este tipo de licenciamento.

Para obter a licença, o responsável pelo empreendimento deverá apresentar apenas um Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE). Este relatório deverá conter informações como a localização, dimensões e atividade que se pretende desenvolver.

No entanto, a análise desses dados pelos órgãos ambientais responsáveis não será obrigatória. Além de essa análise ser feita por amostragem, os deputados aprovaram que ela será facultativa.

Regionalização de critérios para o licenciamento

O governo também vetou um trecho do projeto que delegava aos Estados e municípios a possibilidade estabelecer seus próprios critérios sobre potencial poluidor de um empreendimento e tipos de licenciamento.

"Embora se reconheça a boa intenção do legislador, a proposição legislativa é inconstitucional, pois desconsidera a competência da União para definir regras gerais", diz um trecho do veto publicado pelo governo.

O temor entre ambientalistas é que esta regionalização dos critérios pudesse resultar numa redução dos padrões e exigências ambientais feita por Estados ou municípios.

Se mantido o veto, os processos de licenciamento continuarão a obedecer critérios definidos pela União.

Mata Atlântica

O governo vetou o trecho da lei que previa a retirada do rgime de proteção especial previsto na Lei da Mata Atlântica nos casos de supressão da floresta nativa. A Mata Atlântica é um dos biomas mais ameaçados do Brasil e se entende pela Costa brasileira, uma região densamente povoada.

Atualmente, cabe ao governo federal avaliar o status de conservação do bioma e sua capacidade para suportar eventuais supressões de vegetação nativa. A lei tirava do governo federal essa atribuição.

O governo justificou o veto afirmando que retirar essa atribuição da União poderia submeter a Mata Atlântica a um processo descoordenado de análise dos impactos ambientais das atividades no bioma e levar à sua destruição gradual.

Foto de indígenas sentados usando cocares vermelhos e pintura vermelha no corpo

Crédito, AFP via Getty Images

Legenda da foto, Indígenas também são afetados pelo projeto apelidado de 'PL da devastação'

Povos indígenas e quilombolas

O governo também vetou um dos trechos mais polêmicos da lei aprovada pelo Congresso Nacional que era a que liberava o processo de licenciamento ambiental sem consulta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Fundação Palmares em terras indígenas e quilombolas que ainda não foram homologadas.

Atualmente, as duas entidades precisam ser consultadas em processos de licenciamento de empreendimentos com impacto direto ou indireto em terras indígenas ou quilombolas, mesmo que elas não tenham sido homologadas pelo governo federal.

A lei determinava que a consulta deveria ser feita apenas quando as terras fossem homologadas, que é a última etapa do processo de demarcação desse tipo de território.

Ambientalistas afirmavam que esse dispositivo poderia prejudicar dezenas de povos indígenas e comunidades quilombolas, pois a maioria das terras em que há registro de presença dessas populações ainda não foi homologada.

"Ao limitar a consulta às autoridades envolvidas apenas a respeito das terras indígenas com demarcação homologada e das áreas tituladas de remanescentes de comunidades quilombolas, viola os direitos territoriais já reconhecidos constitucionalmente a esses povos e comunidades, independentemente da conclusão do processo de formalização fundiária", diz o trecho do veto.

Medida provisória para licenciamento especial

O governo anunciou o envio de uma medida provisória contemplando uma proposta feita por Davi Alcolumbre que cria o Licenciamento Ambiental Especial (LAE). Por estar em uma MP, essa modalidade entra em vigência imediatamente.

Segundo o governo o LAE vai funcionar para projetos selecionados pelo Conselho de Governo, um órgão de assessoramento da Presidência da República comandado por Lula. A ministra Marina Silva disse que os projetos passarão por todas as etapas atualmente previstas de licenciamento.

A diferença, segundo ela, é que haverá equipes dedicadas especialmente para a análise desses projetos prioritários. O governo também anunciou que haverá um prazo de até um ano para que, após a entrega de todos os estudos, o órgão responsável pelo licenciamento se pronuncie sobre se ele é viável ou não do ponto de vista ambiental.

Ambientalistas se manifestaram nos últimos meses contra esse dispositivo por entenderem que ele pode abrir caminho para acelerar o processo de licenciamento de projetos como a exploração de petróleo na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, uma região considerada sensível na Costa dos Estados do Pará e do Amapá.

PAra isso, bastaria que o Conselho de Governo incluísse esses empreendimentos na lista de projetos prioritários. A partir daí, haveria um prazo determinado, após a entrega dos estudos, para uma resposta.

Marina Silva não respondeu diretamente sobre se essa nova modalidade poderá ou não ser usada para o licenciamento de projetos de exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

"Serão empreendimentos em geral e não serão fulanizados, a priori. A discussão dentro do conselho é que vai determinar quais são os empreendimentos estratégicos [...] [Essa modalidade] não tem a ver só com dizer sim. Isso também tem a ver com analisar para dizer não [se for o caso]", disse Marina.