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- Author, Anthony Zurcher
- Role, Correspondente da BBC News na América do Norte
Há 2 minutos
Tempo de leitura: 11 min
Em uma reunião de gabinete na Casa Branca, na primeira semana de dezembro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, percorreu com o olhar a longa sala ocupada por seus principais assessores, integrantes do governo e auxiliares, e fez uma previsão.
O próximo candidato do Partido Republicano à Presidência "provavelmente está sentado aqui", disse Trump.
"Podem ser algumas pessoas sentadas à essa mesa", acrescentou, insinuando possíveis disputas internas em seu partido em 2028.
Apesar de uma emenda constitucional limitá-lo a dois mandatos de quatro anos, seus apoiadores entoaram "mais quatro anos" em um comício realizado no início de dezembro, na Pensilvânia (EUA).
Trump afirmou na ocasião que os três anos finais de seu segundo mandato equivalem a uma "eternidade".
Mas, na reunião de gabinete recente, ao discutir as perspectivas para a indicação republicana à Presidência em 2028, foi direto: "Não serei eu".
A próxima eleição presidencial pode parecer distante, mas as próprias especulações de Trump — e certas tensões dentro de sua coalizão — indicam que a disputa para sucedê-lo e definir o futuro do movimento Make America Great Again (Maga, na sigla em inglês, ou "Tornar a América grande novamente", em tradução livre) após Trump já está em pleno andamento.

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Nas eleições locais em novembro, o Partido Republicano perdeu apoio entre eleitores de minorias e da classe trabalhadora que ajudaram Trump a reconquistar a Casa Branca em 2024.
Integrantes de sua equipe entraram em conflito sobre políticas. E alguns, sobretudo a congressista Marjorie Taylor Greene, se afastaram de sua órbita, acusando o presidente de ter perdido contato com os americanos que lhe deram poder.
Houve especulações, em setores da imprensa internacional e também nos EUA, sobre fissuras na base do Maga.
Em meados de dezembro, uma manchete do jornal americano The Washington Post perguntava: "Líderes do Maga alertam Trump de que sua base está se afastando. Ele vai ouvir?"
Os sinais de alerta estão aí. Embora Trump seja conhecido há muito tempo por estar em sintonia com sua base, os próximos meses vão impor uma série de desafios ao presidente e ao seu movimento. Está em jogo nada menos que seu legado político.
De Vance a Rubio: um time de rivais?
Tudo eram sorrisos e conversas sobre conquistas presidenciais históricas dentro do ambiente acolhedor da sala do gabinete recém-redecorada de Trump, adornada com dourados, naquele início de dezembro.
Mas os aspirantes à Presidência que Trump pode ter tido em mente ao olhar ao redor da mesa dão pistas de quão difícil pode ser impedir que seu movimento Maga comece a se fragmentar.
O vice americano, J.D. Vance, estava sentado de frente para o presidente.
Como companheiro de chapa desde 2024, ele é amplamente considerado o sucessor mais provável de Trump, o favorito dos filhos do presidente e de bilionários libertários do setor de tecnologia do Vale do Silício.

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O secretário de Estado Marco Rubio estava imediatamente à direita do presidente.
O ex-senador da Flórida, que disputou com Trump a indicação republicana em 2016, passou os últimos dez anos passando por uma transformação e alinhando-se ao Maga.
Rubio abandonou o apoio anterior à liberalização da política migratória e a postura dura em relação à Rússia, adotando em seu lugar a política externa America First (América primeiro, em tradução livre) de Trump.
Ainda assim, se há alguém próximo à velha guarda republicana com influência no partido de Trump, Rubio lidera a lista.
Depois, há o secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr., cujo ceticismo em relação às vacinas e a agenda "Make America Healthy Again" (Tornar a América saudável novamente, em tradução livre) provocaram abalos na burocracia de saúde dos Estados Unidos; ele estava sentado duas cadeiras depois de Rubio.
Democrata que se tornou independente e depois republicano, Kennedy Jr. encarna de forma viva os estranhos alinhamentos ideológicos que Trump construiu em sua trajetória até a reeleição no ano passado.
Por fim, Kristi Noem, secretária de Segurança Interna, estava acomodada em um canto da mesa.
Embora a ex-governadora de Dakota do Sul (no centro-norte dos EUA) não seja vista como uma candidata presidencial de peso, sua defesa de uma aplicação agressiva das leis migratórias, incluindo um recente apelo por uma proibição total de viagens a "todo maldito país que vem inundando nossa nação com assassinos, parasitas e viciados em benefícios", fez dela um rosto proeminente das políticas do governo.

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Cada um deles pode acreditar que, se decidir concorrer, poderá se tornar o herdeiro político de Trump e assumir o comando do movimento que remodelou a política americana na última década.
Mas, parafraseando Benjamin Franklin (1706–1790) no nascimento da democracia americana, quem vencer a indicação republicana terá recebido uma coalizão vencedora, desde que consiga mantê-la unida.
O império republicano transformado
Nada disso, claro, é garantido, nem é certo que a próxima geração de líderes do Maga venha do círculo mais próximo do presidente.
Trump chegou à Casa Branca como um outsider político — uma espécie de estranho ao sistema político. O próximo líder republicano pode seguir caminho semelhante.
"Vai caber ao próximo presidente republicano que suceder Trump se diferenciar", afirmou o ex-deputado republicano Rodney Davis, de Illinois (EUA), hoje na Câmara de Comércio dos EUA.
"Mas, ao mesmo tempo, é preciso não se afastar demais, porque foi claramente Donald Trump [quem] se elegeu presidente duas vezes."
Quando a eleição presidencial de novembro de 2028 chegar, os eleitores americanos talvez nem queiram alguém como Trump.
Pesquisas de opinião indicam que o presidente pode não ser mais tão popular quanto já foi.
Um levantamento do instituto de pesquisas e opinião pública YouGov, divulgado no início de dezembro de 2025, mostrou que o presidente tinha aprovação líquida ("saldo" entre avaliações positivas e negativas) negativa em 14 pontos, ante resultado positivo em 6 pontos quando voltou ao cargo em janeiro.
Há ainda preocupações com a economia e com seus esforços incessantes para ampliar os limites do poder presidencial.

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A liderança do movimento de Trump ainda representa, no entanto, as chaves do império republicano, mesmo que esse império tenha mudado drasticamente nos últimos anos.
"Acho que a coalizão republicana se tornou fundamentalmente diferente nas últimas décadas", afirmou Davis, que exerceu mandato no Congresso de 2013 a 2023. "A coalizão republicana que existia quando Ronald Reagan foi eleito não é mais a mesma."
Nos anos 1980, disse Laura K. Field, autora de Furious Minds: The Making of the Maga New Right (Mentes Furiosas: A Criação da Nova Direita Maga, em tradução livre), a coalizão de Reagan era uma fusão de defesa do livre mercado, conservadorismo cultural, anticomunismo e política externa internacionalista.
O partido de Trump, prossegue Field, talvez tenha sido descrito de forma mais precisa por Michael Anton, conselheiro de longa data de Trump e atual integrante do Departamento de Estado, em um ensaio publicado em 2016 em defesa da eleição de Trump.
Em contraste com a era Reagan, seus princípios centrais incluem "fronteiras seguras, nacionalismo econômico e uma política externa 'América primeiro'".
'Republicanos normais' versus 'provocadores radicais'
No início deste mês, o instituto conservador Manhattan Institute divulgou uma ampla pesquisa com eleitores republicanos, lançando mais luz sobre a composição da coalizão de Trump.
O levantamento indica que 65% do atual Partido Republicano são o que o estudo chama de "republicanos centrais", aqueles que apoiam candidatos presidenciais do partido desde pelo menos 2016.
(Se já estavam vivos nos anos 1980, eles devem ter votado em Reagan.)
Por outro lado, 29% são classificados pelo instituto como "republicanos recém-chegados". É justamente entre esses novos republicanos que surge o principal desafio à durabilidade da coalizão de Trump.
Pouco mais da metade afirmou que "definitivamente" apoiaria um republicano nas eleições legislativas de meio de mandato do próximo ano.
Segundo a pesquisa, os recém-chegados são mais jovens, mais diversos e mais propensos a adotar posições que rompem com a ortodoxia conservadora tradicional.
Tendem a ter visões relativamente mais à esquerda sobre política econômica, a ser mais liberais em temas migratórios e sociais e, por exemplo, a demonstrar maior simpatia pela China ou posições mais críticas em relação a Israel.

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"Grande parte do debate sobre o futuro da direita está sendo conduzida pelas vozes mais sonoras e mais estranhas da internet, e não pelos eleitores que de fato compõem a maior parte da coalizão republicana", diz Jesse Arm, vice-presidente de relações externas do Manhattan Institute.
Talvez não surpreenda que os chamados eleitores republicanos recém-chegados sejam significativamente menos favoráveis a alguns dos possíveis herdeiros de Trump.
Enquanto 70% dos republicanos centrais têm avaliação positiva de Rubio e 80% de Vance, pouco mais de 50% dos recém-chegados compartilha dessa avaliação positiva sobre qualquer um dos dois.
Outros resultados podem ser ainda mais preocupantes para os republicanos.
Mais da metade dos recém-chegados acredita que o uso de violência na política americana "é justificável às vezes", ante apenas 20% entre os republicanos centrais.
A pesquisa também sugere que esses republicanos recém-chegados tendem a ser mais tolerantes a discursos racistas ou antissemitas e mais propensos ao pensamento conspiratório, sobre temas como o pouso na Lua, o 11 de Setembro e as vacinas.
Trump conseguiu atrair esses eleitores para sua coalizão. A questão é se ele e seus herdeiros políticos conseguirão mantê-los ali, ou se sequer desejam fazê-lo.
"O principal ponto não é que esses eleitores vão 'definir' o Partido Republicano no pós-Trump, mas que futuros líderes republicanos terão de traçar linhas claras sobre quem define a agenda", argumenta Arm, do Manhattan Institute.
"O coração do partido continua sendo os republicanos normais, não os edgelords (provocadores radicais, em tradução livre) que tanto a imprensa quanto a direita dissidente, de forma curiosa, insistem em promover."
Conflitos nas fileiras conservadoras
As divisões reveladas pela pesquisa do Manhattan Institute ajudam a explicar algumas das fricções mais marcantes dentro da coalizão de Trump nos últimos meses.
O embate entre Trump e a congressista Marjorie Taylor Greene, que culminou na renúncia dela ao Congresso, começou com o apoio da congressista à divulgação integral dos arquivos do governo ligados ao caso de tráfico sexual de menores de idade envolvendo Jeffrey Epstein, há anos fonte de teorias conspiratórias no meio conservador.
A disputa, no entanto, se ampliou para críticas à política de Trump no Oriente Médio e acusações de que o presidente falhou no enfrentamento ao custo de vida elevado e às preocupações com a saúde da população americana de baixa renda.
Antes disso, uma divisão de grande repercussão dentro do Maga explodiu em torno da política econômica de Trump, quando o empresário Elon Musk, apoiador entusiasmado e integrante do círculo mais próximo do presidente no início do ano, passou a condenar algumas tarifas e políticas de gastos do governo Trump.

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Trump tem, por ora, procurado manter distância de mais um confronto nas fileiras conservadoras, sobre se Nick Fuentes, comentarista político de extrema direita e negacionista do Holocausto, é ou não bem-vindo no movimento conservador.
Trata-se de uma disputa que abalou a Heritage Foundation, um influente think tank (centro de pesquisas e debates) de direita de Washington, e colocou comentaristas poderosos da direita em lados opostos.
Segundo Laura K. Field, os aliados de Trump podem ter dificuldade para evitar esse conflito.
"Nick Fuentes tem um público enorme", diz. "Parte da forma como o movimento conservador ganhou a energia e o poder que tem foi cortejando esse segmento do Partido Republicano."
Nos corredores do Congresso, atualmente controlado pelos republicanos, já surgem sinais de atrito com a agenda do presidente.
Apesar da pressão da Casa Branca, o governo não conseguiu impedir que a Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) aprovasse uma medida que obriga a divulgação dos arquivos ligados ao caso Epstein.
Trump também não conseguiu convencer os senadores republicanos a abandonar o filibuster (mecanismo regimental que permite prolongar debates e barrar votações), instrumento que os democratas, hoje na minoria, têm usado para bloquear partes da proposta legislativa de Trump.

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Enquanto isso, o partido de Trump vem tropeçando nas urnas, com os democratas vencendo no mês passado as disputas pelos governos da Virgínia (leste dos EUA) e de Nova Jersey (nordeste dos EUA), com margens confortáveis.
Em dezenas de eleições suplementares disputadas ao longo do último ano para cargos estaduais e locais, os democratas, em média, ampliaram suas margens em cerca de 13% em relação a disputas semelhantes realizadas nas eleições nacionais de novembro passado.
O futuro do trumpismo
Tudo isso estará no centro das atenções dos republicanos às vésperas das eleições legislativas de meio de mandato de 2026, quando estarão em disputas cadeiras no Senado e na Câmara dos Representantes.
E pouco ajudará a dissipar a preocupação de parte do partido de que, sem Trump no topo da chapa, a coalizão tenha dificuldade para garantir vitórias consistentes nas urnas.
Ainda assim, mesmo uma derrota no próximo ano (perdendo a maioria no Senado e/ou na Câmara), ou em 2028, dificilmente marcará o fim do trumpismo.
A ascensão do movimento Maga ao auge do poder nos EUA esteve longe de ser linear. Incluiu uma derrota avassaladora nas eleições de meio de mandato de 2018 e a derrota do próprio Trump em 2020, antes de sua reeleição em novembro de 2024.
Mas as transformações promovidas por Trump dentro do próprio Partido Republicano parecem ser estruturais, segundo Laura K. Field.
Sua coalizão Maga se apoia em vertentes de movimentos populistas nos EUA ao longo de décadas, da campanha insurgente de Barry Goldwater à Presidência, em 1964, aos protestos do Tea Party (movimento político conservador) durante o governo do democrata Barack Obama (2009-2017).
"Essas coisas não surgem do nada. São forças da política americana que ficaram subterrâneas por algum tempo, mas estiveram em constante fermentação", diz Field.
A velha ordem republicana, argumenta ela, é uma relíquia do passado.
"O movimento de Trump veio para ficar, e não há nenhuma perspectiva real de que o antigo establishment [Republicano] volte a ter qualquer tipo de influência — isso está claro."

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