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Cid diz no STF que Bolsonaro enxugou minuta golpista e só manteve prisão de Moraes

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Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid disse nesta segunda-feira (9), em depoimento no STF (Supremo Tribunal Federal), que o ex-presidente recebeu e editou no fim de 2022 uma minuta de decreto que previa a prisão de autoridades, como ministros do Supremo e integrantes do Legislativo, e a criação de uma comissão para organizar novas eleições presidenciais.

Cid também relatou que o general Estevam Theophilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres e réu no STF, afirmou a ele que o Exército iria cumprir uma ordem golpista de Bolsonaro caso o ex-presidente assinasse um decreto com as determinações. Essa foi a primeira vez que o ex-ajudante de ordens diz ter conversado diretamente com o militar sobre a trama golpista.

O depoimento de Cid tomou a maior parte da primeira sessão no STF destinada a ouvir os réus do caso e, embora sem diversidade de fatos novos, confirmou de modo geral ao longo de pouco mais de quatro horas as principais menções de sua delação, com implicações para Bolsonaro, o ex-ministro e general da reserva Braga Netto e outros militares acusados.

O tenente-coronel, porém, expôs publicamente uma interpretação mais suave do golpismo, ao enfatizar a informalidade de reuniões realizadas, e teve inconsistências exploradas pelas defesas.

Segundo Cid, Bolsonaro alterou a minuta do decreto golpista algumas vezes. "Ele enxugou o documento, retirando as autoridades das prisões. Só o senhor ficaria preso", disse Cid ao ministro Alexandre de Moraes.

"Os outros receberam um habeas corpus", brincou Moraes. O próprio ex-presidente Bolsonaro riu da piada do ministro, sentado em cadeira no centro do tribunal.

Cid teve o acordo de colaboração premiada homologado em setembro de 2023 por Moraes. Em troca de falar tudo o que sabia sobre a trama golpista no fim do governo Bolsonaro, o militar solicitou benefícios, como o perdão judicial ou pena privativa de liberdade inferior a dois anos e a extensão de benefícios à sua família.

No depoimento, Cid afirmou ter se sentido frustrado diante das interpretações da Polícia Federal sobre as declarações que ele dava para a colaboração premiada.

Segundo o ex-ajudante de ordens, ele tinha um entendimento diferente dos investigadores sobre os fatos que narrava na delação que deu base à denúncia sobre a trama golpista de 2022.

"Eles tinham uma linha investigativa, e eu tinha outra visão dos fatos. E houve uma frustração do que eu estava contando não estar na linha investigatória da PF", disse.

Moraes questionou o tenente-coronel a respeito de áudios divulgados pela revista Veja com relatos de pressão para as declarações.

Em resposta, Cid afirmou que passava por um momento pessoal complicado. "Foram vazamentos sem consentimento, de um desabafo de um momento difícil que eu e minha família estávamos passando. Eu vendo minha carreira militar desabando, minha vida financeira acabada e me gerou uma crise pessoal muito grande, o que leva a desabafo com amigos, nada de maneira acusatória, mas crítico. Digamos assim, saindo atirando para todo lado, por um momento ruim que a família estava passando."

O tenente-coronel também confirmou que recebeu do próprio ex-ministro Braga Netto, general da reserva do Exército, uma caixa de vinho cheia de dinheiro vivo para entregar ao tenente-coronel Rafael de Oliveira — militar acusado de liderar um grupo que planejou matar Moraes.

Cid diz que, na época, entendia que o plano de Oliveira era levar familiares para Brasília, com o objetivo de mobilizar o acampamento golpista em frente ao QG do Exército. A investigação da Polícia Federal, porém, concluiu que o plano do militar era prender e assassinar o ministro do Supremo.

Cid disse que o amigo lhe pediu dinheiro e enviou uma planilha no WhatsApp com o orçamento. O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro pediu ajuda a Braga Netto. Dias depois, o general entregou o dinheiro, segundo ele.

"Retornei ao Braga Netto, e o general Braga Netto trouxe uma quantidade de dinheiro. Com certeza não foram os R$ 100 mil. [O dinheiro] foi passado para o major de Oliveira. Eu recebi do general Braga Netto no Palácio da Alvorada. Estava numa caixa de vinho", disse.

Um integrante da PGR (Procuradoria-Geral da República) afirmou, sob reserva, que o procurador-geral Paulo Gonet se satisfez com as declarações de Cid por considerar que os principais fatos descritos na denúncia foram confirmados pelo colaborador ao Supremo.

Bolsonaro ficou de braços cruzados durante grande parte do tempo em que Cid dava seus esclarecimentos ao Supremo. Ele alternava a posição com alguma frequência, tirando as costas do encosto da cadeira e apoiando os cotovelos sobre a mesa improvisada no centro do plenário da Primeira Turma do Supremo.

O ex-presidente fez poucos gestos ou comentários durante o depoimento. Em um dos poucos momentos de aparente indignação, ele fez comentários com o advogado Celso Vilardi após Mauro Cid dizer que havia o comunicado sobre a carta que oficiais da ativa do Exército produziam contra o comandante da Força.

Além do relator Moraes, o ministro Luiz Fux foi o único ministro da Primeira Turma do STF a participar do primeiro dia de depoimentos dos réus.

Depois de Cid, colaborador da investigação, prestou depoimento nesta segunda Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-chefe da Abin. Ele afirmou que os arquivos com ataques às urnas em seu computador eram anotações privadas.

Os demais réus vão ser questionados a partir desta terça (10) seguindo ordem alfabética: Almir Garnier (ex-chefe da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).

O tribunal reservou sessões diárias até sexta-feira (13) para ouvir os réus. Os depoimentos são transmitidos ao vivo pela TV Justiça.

O início da fase de depoimento dos réus da tentativa de golpe de 2022 promoveu o primeiro encontro após dois anos de investigação entre Bolsonaro e Cid.

O tenente-coronel Mauro Cid mudou de versão sobre a trama golpista de Bolsonaro e aliados ao longo de seus 12 depoimentos à Polícia Federal no âmbito do acordo de colaboração premiada.

Foi só em seu último depoimento, diante de Moraes, que Cid contou que Braga Netto entregou dinheiro em uma sacola de vinho para um militar acusado de planejar o assassinato do ministro do Supremo.

A Polícia Federal chegou a alegar que Cid havia mentido em seu vaivém à sede da corporação e sugeriu ao STF o rompimento do acordo de colaboração. Moraes convocou o militar para prestar esclarecimentos e, diante de novas revelações, decidiu manter a validade da delação.

Os advogados de quatro réus disseram à Folha, sob reserva, que estavam empenhados em procurar novas contradições de Cid durante o depoimento ao STF. O objetivo é reunir informações para pedir novamente o fim do acordo de delação.

Ministros do Supremo, porém, alegam que a eventual declaração de invalidade da colaboração premiada do tenente-coronel não anula os depoimentos ou as provas colhidas por meio da delação. O único efeito, dizem, é sobre os benefícios de Mauro Cid.

A controvérsia sobre a validade do acordo de Mauro Cid com a Polícia Federal foi levantada pelo ministro Luiz Fux durante o julgamento do recebimento da denúncia contra o núcleo central da trama golpista.

"Este não é o momento próprio, mas vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora apresentando uma novidade", disse Fux. Cármen Lúcia e Cristiano Zanin concordaram que a discussão deveria ser feita após o recebimento da denúncia.

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