Entre os chefes de Estado, Lula foi o que mais dedicou espaço ao tema da tecnologia. Para quem acompanha essas pautas faz algum tempo, a cartela de bingo foi completamente preenchida, já que o Presidente mencionou os três mantras da regulação tecnológica. Vamos a eles:
- A internet tem um lado bom, mas... Esse mantra sempre aparece como introdução a um discurso mais crítico sobre o estado atual das modernas tecnologias, em especial no que diz respeito à web. Até para o orador não parecer tecnofóbico, a fala abre com o reconhecimento das transformações positivas possibilitadas pela rede, para depois assinalar os problemas decorrentes do seu uso. Segundo o Presidente, em seu discurso: "As plataformas digitais trazem possibilidades de nos aproximar como jamais havíamos imaginado. Mas têm sido usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação."
- "A internet não pode ser uma terra sem lei". Aqui é literal mesmo. O Presidente disse o mantra - repetido por tantas autoridades - certinho. Duas coisas me incomodam nessa afirmação de modo geral. A primeira é que ela é sempre repetida como se no Brasil não houvesse o Marco Civil da Internet, lei pioneira e específica para o ambiente digital, aprovada em 2014 (no governo de Dilma Rousseff, mas cuja consulta pública começou com Lula), e como se as demais leis vigentes no país não se aplicassem à rede. Esse mantra fomenta a percepção de que para cada nova tecnologia precisamos de uma nova lei. O segundo incômodo é saber quando as pessoas vão parar de repetir o mantra considerando que agora temos pelo menos o Marco Civil da Internet, o ECA Digital e a decisão do STF sobre responsabilidade de plataformas - sem contar o que vem pela frente. Em algum momento a gente vai virar a chave de "internet como terra sem lei" para uma discussão sobre como estão sendo aplicadas as leis sobre internet.
- O que é crime no mundo real deve ser crime no mundo virtual. Como disse o Presidente: "É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual." Em outras palavras, se é crime do lado de fora das telas não é porque a mesma conduta é desempenhada com auxílio da internet que ela passa por um portal e se torna legítima ou impune. Faz sentido, mas esse mantra é um ninho de analogias despropositadas entre o mundo offline e o ambiente online. Nas cortes superiores já teve até quem fosse contra a criptografia ponta-a-ponta nas mensagens de WhatsApp, que impossibilitaria a revelação de seu conteúdo na transmissão, porque caminhões nas estradas brasileiras não podem negar a vistoria da Polícia Rodoviária Federal.
É preciso dar crédito à tomada de decisão por parte de governo e alocar um espaço na abertura da Assembleia Geral para levantar a bola sobre regulação de plataformas digitais. As nossas leis (novas e velhas) estão longe de serem perfeitas e sua interpretação e aplicação vai cada vez mais dar muito pano para manga. Mas o tempo limitado de exposição dos oradores implica em escolhas - e é simbólico que Lula tenha dado destaque à pauta sobre tecnologia.
O mosaico internacional sobre IA
Inteligência artificial acabou fazendo participação especial em discursos de outras autoridades. Portugal pediu que tecnologias emergentes — digitais, espaciais e de inteligência artificial — sejam "forças para a paz, não ferramentas de dominação", ressaltando ainda a importância de reduzir a desigualdade no acesso às mesmas. A Espanha apontou a IA como motor de transformação digital justa e equitativa e a Eslovênia destacou que ciência e tecnologia podem ser distorcidas por líderes cínicos e belicosos, mas também servir ao bem comum quando artistas, influenciadores e visionários juntam esforços com governos em prol da dignidade humana.
Trump, a escada rolante e o teleprompter
A tecnologia apareceu de modo singular no discurso de Donald Trump. Se por um lado a inteligência artificial foi mencionada pelo Presidente dos EUA como instrumento para o controle de armas biológicas, duas outras ferramentas tecnológicas receberam atenção destacada em seu discurso: a escada-rolante e o teleprompter, já que ambos pararam de funcionar quando estavam sendo usados pelo Presidente.
Sobre a escada que travou, Trump disse que a primeira-dama teria caído se "não estivesse em ótima forma", lembrando ainda que o operador do teleprompter estaria "em apuros", já que o aparelho não funcionava. "Estas são as duas coisas que recebi das Nações Unidas: uma escada rolante ruim e um teleprompter ruim. Muito obrigado." - ironizou o líder de uma das nações pelas quais passará o futuro das modernas tecnologias.
Reportagem
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
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