Se Jair Bolsonaro (PL) encarcerado é algo a se comemorar, não dá para achar que é a pá de cal da extrema direita, diz Manuela d'Ávila, 44.
"Ficou comum a galera interpretar que ela começava e acabava com o Bolsonaro." Não acaba, e não dá para esquecer que "há uma verdadeira caçada aos sonhos da esquerda" nos últimos anos, afirma.
Na mesma semana desta entrevista, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) anunciou sua candidatura a presidente com respaldo paterno. Para ela, o movimento explana "a briga do bolsonarismo para ser relevante na extrema direita".
Recém-filiada ao PSOL, após um quarto de século no PC do B, Manuela pretende concorrer ao Senado em 2026, pelo Rio Grande do Sul. Será sua primeira eleição após duas derrotas consecutivas para a força que considera "a mais nefasta do Brasil".
Foram pleitos "com um nível de violência inenarrável", segundo ela, com ameaças de morte, inclusive: em 2018, como vice da chapa presidencial encabeçada por Fernando Haddad (PT), e em 2020, na campanha para prefeita de sua Porto Alegre natal.
Manuela diz que, enfim, ela e a família já têm "condições humanas" para sua volta ao jogo político.
"Não é fácil para uma mulher como eu, que tem a filha ameaçada de estupro desde que nasceu, olhar para [outras mulheres] que estavam juntas com aqueles que ameaçavam e debochavam." Mas a violência de gênero não discrimina coloração partidária, e nenhum mulher é imune a ela "porque está contra nós", diz.
Por que sair do PC do B? Meu casamento com o PC do B deu muito certo: 26 anos filiada a um partido que me deu régua e compasso para interpretar o Brasil.
A gente assimila a palavra "crítica" como algo ruim. Nossa cultura tem muito dessa performance da violência masculina. O dissenso é tratado como ferramenta de destruição, e não construção. Com as mulheres, tenho construído espaços em que a crítica é o que faz a gente melhor.
Algumas questões foram me afastando. A primeira delas é a maneira como se dá a relação com a federação com o PT. Ela tira autonomia dos partidos menores.
E a gente precisa reafirmar a necessidade da construção de amplas frentes contra o que a gente convencionou chamar de bolsonarismo, mas que é a extrema direita —não posso correr o risco de não entender isso porque, diferentemente de outras pessoas, corro risco de vida sob o governo dessa gente.
Por que PSOL agora? Sou a esquerda dessa frente ampla. Minha filiação [ao PSOL] é o sinal que quero dar num tempo em que afirmam que o certo é a saída pragmática, que apaga as características ideológicas. Tem uma verdadeira caçada aos sonhos, ao que representa a esquerda.
Por que diz que a extrema direita é maior do que o bolsonarismo? Bolsonaro acumulou o que pregavam organizações anteriores, como é o caso do MBL que sempre gosta de fazer de conta que é liberal, mas que deu origem à extrema direita mais nefasta do Brasil.
Ficou comum a galera interpretar que a extrema direita começava e acabava com o Bolsonaro. Essa leitura carrega riscos: a prisão do Bolsonaro seria o fim deles. Óbvio que a condenação é uma vitória importantíssima para nossa democracia. Mas entendo que o Bolsonaro foi eleito, que o Pablo Marçal teve performance extraordinária na eleição de São Paulo "contra tudo e contra todos", né? Contando ali com um discurso que a gente pode refutar, mas que tinha ideias. A gente viveu também uma derrota de ideias.
Que ideias foram essas que triunfaram? Marçal, por exemplo, põe no centro do discurso a negação do Estado e a violência como ativo importante da resolução dos conflitos sociais. Não é qualquer coisa. Veja o que acontece com as mulheres agora. Muitos setores menosprezaram os discursos violentos contra mulheres.
A sra. debateu violência de gênero com a Cíntia Chagas [ex-mulher do deputado estadual Lucas Bove, do PL-SP). A esquerda tem dificuldade de ter empatia por mulheres conservadoras? A gente tem uma ideia de sororidade absoluta que apaga as diferenças que mulheres temos entre nós.
Em alguns momentos vou enfrentar [mulheres]. E tudo bem. Os homens se enfrentam o tempo inteiro. Achar que não podemos ser as interlocutoras das nossas diferenças é nos rebaixar.
Nós somos atacadas por outras questões que não as nossas ideias. E aí entra, ou deveria, a nossa sororidade. Dizer: alto lá, tu não vai chamar [uma opositora] de puta. Saiba debater olhando as ideias, e não a vida pessoal, o corpo da mulher.
Como é estar ao lado de mulheres que lhe são críticas? Não é fácil para uma mulher como eu, que tem a filha ameaçada de estupro desde que nasceu, olhar para pessoas que estavam juntas com aqueles que ameaçavam e debochavam. Adoeci. É fácil acolher o seu algoz? Não. A Carla Zambelli divulgou imagens minhas com os olhos amputados. O risco de vida que corro tem relação com a forma que ela construiu a ameaça de morte implícita, exibindo meu corpo mutilado.
Agora, isso não pode fazer com que a gente perca a capacidade de olhar para outras mulheres e pensar que elas podem ser transformadas pela luta concreta que é a existência delas. Como que uma Cíntia não vai ser acolhida pela gente? Uma mulher não é imune à violência porque ela está contra nós.
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É comum ouvir que a esquerda passa por polarização interna, como se existisse a ala tradicional e a identitária, "woke", como apelidam conservadores. Concorda? Refuto tanto o uso dessa expressão, "woke", quanto a ideia de que existe um afastamento da esquerda entre si. O que há de mais vibrante na esquerda é essa relação profunda que mulheres, jovens, homens negros conseguem estabelecer com a sociedade. Haja vista o exemplo do [vereador do PSOL-RJ] Rick Azevedo. Homem, negro, de comunidade, gay, e que levantou a bandeira da [esca la de trabalho] 6x1.
O veto do governo Lula (PT) à linguagem neutra em informes oficiais foi interpretado como sinal de que a esquerda estaria se afastando de causas lidas como identitárias. A narrativa de que Lula vetou a linguagem neutra é mentirosa. Ele fez um negócio que é o quê? Linguagem simples no serviço público. Vocês acham que o médico está preocupado com linguagem neutra ou se vai falar em posologia em vez de dizer "toma o remédio de hora em hora"?
Enquanto a extrema direita quer debater linguagem neutra comigo, quero debater os líderes deles que menosprezam o tema das mulheres serem vítimas de feminicídio. Claro que aqui tem uma sacanagem deles.
Mas dá para fugir desse debate se o outro lado o transforma em espantalho ideológico? Quanto mais ideológicos eles são, mais popular é a nossa agenda. Eles vêm com o tema do banheiro unissex —que é uma piração social imensa, porque na minha casa o banheiro é unissex. E o que apresentamos? O debate sobre faltas no trabalho para pessoas que cuidam de crianças e idosos. A gente tem que ter cada vez mais bandeiras mais populares para desmascarar as estratégias deles.
Mas a própria militância progressista se empolga com várias dessas causas, não? Falar sobre quem cuida de idosos, por exemplo, não engaja tanto. A prova de que engaja é a taxação de super-ricos, [a isenção do] Imposto de Renda. E volto ao tema das mulheres. Tu acha que eu queria ficar o dia inteiro nas minhas redes falando de feminicídio? Mas quantas redes estão falando disso que não são de mulheres?
Raio X - Manuela d’Ávila, 44
Gaúcha, é jornalista de formação e eleita vereadora em Porto Alegre em 2004, aos 23 anos, tornando-se a mais jovem da Câmara. Depois, cumpriu três mandatos como deputada federal e estadual pelo PC do B. Em 2018, foi candidata a vice na chapa presidencial de Fernando Haddad (PT). Em 2020, disputou e perdeu a disputa para a Prefeitura de Porto Alegre. Nos últimos anos, fora da política eleitoral, trabalhou em sua empresa de comunicação em campanhas para Guilherme Boulos (PSOL) e Alexandre Kalil (PSD) e fundou o instituto E Se Fosse Você?, que inclui um clube de leitura de mulheres. Em 2025, entrou no PSOL.

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