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Indicação de Messias consolida um STF mais político do que jurídico

[RESUMO] A partir dos anos 2010, o perfil do STF alterou-se de forma significativa. Presidentes passaram a privilegiar a indicação para o tribunal de nomes próximos a eles, pessoal e ideologicamente, em detrimento das demais qualidades necessárias. Assim, temos hoje um Supremo em que a maioria opera politicamente, decide a partir de alinhamentos a grupos partidários e sinais do Executivo e do Congresso. No artigo a seguir, autores analisam o que acontece quando juízes passam a ser percebidos como participantes interessados nas disputas políticas.

A indicação de Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal não é uma novidade: ela consolida um ciclo. Com as nomeações de Temer, Bolsonaro e Lula, um novo Supremo ganha traços evidentes. Um tribunal cujo centro de gravidade se desloca decisivamente para o terreno da política, com juízes pensando como políticos, agindo na política, e decidindo em função da leitura que fazem dela.

Não se trata da velha distinção entre escolhas mais "técnicas" ou mais "políticas", insuficiente para explicar a natureza das decisões e composições do tribunal. Toda indicação para o Supremo sempre foi e será política, em vários sentidos: por expressar uma escolha de quais visões políticas e morais devem ter lugar no tribunal; por resultar de cálculos e possibilidades de apoio político, dentro da dinâmica da coalizão governante; por sinalizar, para eleitores, a prioridade de certos valores e elementos —como gênero, raça, origem regional ou religião— na escolha do indicado.

Todo juiz do Supremo, por sua vez, é necessariamente um ator político, em vários sentidos: pela autoridade estatal que exerce ao decidir; pelo impacto que tem sobre as leis e as políticas públicas existentes; e pelas escolhas que eventualmente precisa fazer nos muitos pontos da Constituição abertos para divergências, que são também, em última instância, ideológicas e morais.

O que se consolida, com nova nitidez após a indicação de Messias, é algo distinto: um Supremo com uma maioria que opera politicamente. Que decide a partir de cálculos e percepções do dia a dia da política; que lê os sinais do Executivo e do Congresso e se dispõe a responder a eles em tempo real e fora dos autos, às vezes em reuniões convocadas para esse fim; que age como mais um ator da disputa política, e não como árbitro que se distancia dela no tempo e no espaço. Mais um colaborador próximo de legisladores e governantes do que um juiz independente das medidas tomadas por esses atores.

Ministros com a capacidade e disposição de agir assim não são novidade. A transformação não é abrupta. Ela se acelera a partir da década de 2010, quando a Corte se habituou a arbitrar crises políticas de todo tipo, a definir regras eleitorais, a suspender leis no calor do momento e a ocupar lacunas legislativas na conjuntura.

A composição recente aprofunda essa vocação expansionista. Guardadas as devidas e necessárias diferenças, ministros como Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e Flávio Dino não escondem sua leitura pragmática do jogo institucional.

Mais do que isso, nesse jogo não atuam por convicções formadas isoladamente: interagem com o cenário político e seus atores antes, durante e depois de decidir. Reconhecem a política, e são por ela reconhecidos como pares. Jorge Messias, se confirmado, será parte desse grupo.

Esse perfil de ministro não configura, por si só, qualquer tipo de abuso ou excesso. Há decisões que tensionam a separação de Poderes, às vezes injustificadamente, tomadas por ministros de perfil mais distante da política; da mesma forma, ministros mais próximos do jogo político podem ser tanto contidos quanto agressivos ao decidir.

Há decisões justificáveis e problemáticas tomadas por qualquer um dos dois tipos de juízes do Supremo. A transformação que apontamos não serve de argumento para quem acusa o tribunal de tentar implantar uma "ditadura judiciária".

Na verdade, ela é a consolidação de uma estrutura que já tinha pilares em outras composições, como nas nomeações de Nelson Jobim (1997), Gilmar Mendes (2002) e, mais recentemente, Dias Toffoli (2009) e Alexandre de Moraes (2017).

Cada vez mais desde 1988, temos um Supremo estimulado pela sociedade civil a decidir conflitos que dividem a opinião pública. Minorias parlamentares, por exemplo, recorrem ao tribunal para reverter derrotas políticas e, dos anos 2000 para cá, até mesmo para tomar em caráter único e definitivo as decisões importantes que não avançam no Congresso. Mais recentemente, presidentes chamam o STF quando a governabilidade está em risco.

O que esses atores pedem e esperam do tribunal foi mudando: de ponto de veto a formulador de regras; de última palavra a primeiro decisor sobre os grandes —e, às vezes, os menores— temas da política; de juiz de políticas públicas a tábua de salvação de políticos.

Nesse cenário, sempre houve ministros que se sentiram mais à vontade do que outros e estimularam de dentro a transformação que vinha de fora. Há anos se desenha na instituição um grupo que vê a política como parte indissociável do ofício, não como um limite ou obstáculo à jurisdição. A relação direta e próxima do juiz com o Executivo e o Legislativo abre mais possibilidades do que ameaças para o exercício do poder judicial.

O próprio critério decisivo das nomeações vem se transformando. Em um tribunal abertamente percebido como jogador no dia a dia da política, as indicações dizem mais sobre quem indica (o que quer do Supremo?) do que sobre quem é indicado (o que fez antes de chegar ao tribunal?).

Na trajetória do potencial indicado, o que se constrói à distância da política —a produção acadêmica, o passado profissional no sistema de Justiça, o reconhecimento público pelas ideias ou causas defendidas— perde relevância. Importam mais a trajetória dentro da administração pública, suas conquistas no contexto dos governos a que serviram, a confiança que inspira e a afinidade política.

A pouca idade, assim, deixa de ser problema e vira até oportunidade. Quanto mais jovem, mais tempo o indicado permanecerá no tribunal como um interlocutor potencialmente aberto ao diálogo. Os casos de André Mendonça, Cristiano Zanin e Jorge Messias vão nessa direção.

Essas mudanças trazem custos e perigos para o próprio tribunal. Indicado e presidente se tornam indissociáveis. A conexão entre eles se torna o traço mais importante, ofuscando quaisquer outros méritos que o escolhido possa ter. Acima das qualidades profissionais, prevalece na percepção social a imagem do ministro que toma tubaína, do aliado político, do amigo do governo, do advogado pessoal.

A toga, por certo, confere a independência institucional de que os juízes precisam. Mas independência é também comportamento: escolher não se importar com o que aliados políticos esperam e decidir apesar do que querem. A proximidade com políticos pode turvar, dentro e fora do tribunal, a visão de equidistância e independência que se espera de um ministro da Corte.

A autoridade judicial conferida aos 11 ministros pela Constituição tampouco é capaz, por si só, de distanciar juízes e políticos. Quando o Senado decide sobre crimes de responsabilidade do presidente, está exercendo uma função judicial, mas seus integrantes continuam pensando e operando como políticos.

Da mesma forma, o poder que os ministros do STF exercem não é, por si só, capaz de impedir que pensem, operem e até decidam de maneira análoga aos políticos, mesmo que o exercício desse poder seja acompanhado de características institucionais associadas a tribunais (como a apresentação de argumentos jurídicos para justificar suas decisões).

Independência e autoridade judiciais diferenciam, sim, o Supremo, do ponto de vista das regras institucionais. Mas o seu funcionamento de fato —se mais próximo ou mais distante da lógica de atuação dos Poderes eleitos— será também moldado pelas pessoas sob a toga. Nos últimos anos, o perfil predominante tem sido o de ministros particularmente familiares, próximos e confortáveis com a lógica da política e com os próprios políticos.

Esse perfil não é inevitável. Não era, aliás, a regra nas indicações dos primeiros dois mandatos do presidente Lula. No caso de Dilma, não houve indicação de pessoas próximas da política e de confiança pessoal da presidente.

Votos de ministros como Luís Roberto Barroso e Edson Fachin são moldados por convicções constitucionais públicas e reiteradamente expostas antes mesmo de assumirem a toga, no sistema de Justiça e na academia. Mas esse perfil, que nunca foi a regra geral para além do caso de Dilma, abruptamente perdeu espaço. Hoje, parece estar em extinção.

A geração que chega ao Supremo, com Messias incluído (em sendo aprovado pelo Senado), assume o plenário com outra predisposição individual e em outro ambiente institucional. Agora, julgar é também governar; interpretar é também gerir; decidir é também negociar; aplicar a regra é também avaliar sua conveniência ou não.

Os efeitos são profundos. Um Supremo que raramente rejeita tarefas tipicamente legislativas transforma-se em protagonista permanente. A Corte passa a ocupar vazios institucionais, mas também cria zonas de sombra para o Parlamento.

Do ponto de vista da sociedade, se tudo pode ser resolvido no STF, perde urgência e força a pressão social sobre o Legislativo para que delibere e decida sobre os muitos problemas do país que exigem tomada de posição.

E, do ponto de vista institucional, quando essas questões são decididas por um STF tão confortável em legislar e formular políticas públicas, sobra um espaço cada vez menor para o Congresso e o Executivo. Empurrada dessa forma para o tribunal, a política volta enfraquecida e delimitada aos representantes eleitos.

A indicação de Messias reforça e normaliza essa tendência. Um ponto que confirma a curva. Sua trajetória se construiu nos bastidores do Estado: advogado da União, secretário-executivo de ministério, figura-chave em governos petistas com trânsito nos níveis mais altos do Executivo. Um ministro com experiência na administração pública sob a liderança presidencial, fluente na linguagem da política, confortável com a intervenção em políticas públicas e com a leitura estratégica do ambiente partidário.

É alguém que conhece a máquina por dentro e, sobretudo, tem experiência na política real —aquela que envolve negociação, timing, leitura do Congresso, compreensão do custo e do proveito das decisões, articulações, concessões e acochambramentos.

Esse repertório, cada vez mais comum entre os ministros mais jovens da Corte, reforça o perfil de um Supremo que se sente capaz de agir como legislador ou executivo. Um Supremo que não vê razões jurídicas para não fazer isso e, se opta por se conter ou ficar em silêncio, é também por cálculo ou prudência, não por acreditar em limites da função judicial.

Portanto, Messias é um ministro ideal para um Supremo que se vê não apenas como guardião da Constituição, mas como gestor institucional do país.

Um juiz com esse perfil vai se distanciar dos conflitos e necessidades da política? Um Supremo com uma firme ala de ministros assim irá se envolver menos no dia a dia do funcionamento dos outros Poderes?

Alguns ministros estabelecerão cooperação mais forte com este ou aquele lado da política; outros poderão tentar construir sua própria base de apoio político independente, para serem relevantes e capazes de promover sua agenda qualquer que seja o governo da vez.

Da política partidária à política pessoal, haverá variações. Mas com um tema comum. A jurisdição constitucional não desaparece, contudo se torna inseparável da política e, no pior dos cenários, vira instrumento dela.

A indicação de Messias é mais que uma escolha presidencial. É a consolidação de um modelo de Corte construído por escolhas anteriores. Um STF que vem abandonando qualquer pretensão de distanciamento dos políticos e assume ter, com eles, mais semelhanças do que diferenças.

Um tribunal que, diante de questões que envolvam escolhas legislativas ou disputas partidárias, muitas vezes não se pergunta se deve decidir o tema, mas quando fazê-lo. E que, uma vez dentro dessas discussões, sente-se à vontade, como quem reconhece que o poder político cada vez mais passa pela toga.

Um dos muitos problemas que este tipo de instituição cria para si é convencer a opinião pública de que suas decisões são determinadas majoritariamente por questões jurídicas, não por cálculos políticos. E este perigo vem sendo alimentado pelas ações do tribunal e de gerações de seus ministros, indicados por presidentes de todos os lados do espectro partidário.

O tribunal ser percebido como ator essencialmente político tem custos —para a instituição e para cada um de seus integrantes. O grande poder individual que exercem deveria estar alicerçado publicamente na autoridade do STF enquanto tribunal.

Mas o que acontece quando o juiz que intervém na disputa política é visto apenas como prolongamento dela? Ainda mais quando o tribunal com frequência decide também o futuro de políticos em inquéritos e ações penais. Como isso afeta as maneiras pelas quais a sociedade civil, a comunidade jurídica e os próprios políticos enxergam e reconhecem a autoridade dessa instituição?

O Supremo precisa voltar a ser visto como um colegiado de juízes. Seus julgamentos, mesmo aqueles com os quais não concordamos, precisam ter a autoridade de uma decisão judicial, e não apenas mais uma manobra da arena política.

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