Caren Mello, especial para o JC, com agências
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Caren Mello, especial para o JC, com agências
A Medida Provisória (MP) 1.202/23 entrou em vigor no início deste ano trazendo três importantes alterações: reoneração da folha de pagamento, revogação de benefícios concedidos ao setor de eventos por meio do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e limitação na compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado.
Diz o texto que haverá reoneração gradual da folha de pagamento de 17 setores produtivos a partir de 1º abril, revogando a lei 14.784/23 e fazendo o retorno gradual da contribuição previdenciária. A desoneração, que existe desde o final de 2011 e acabaria em 2023, foi prorrogada pelo Congresso e vetada pelo governo. No dia 27 de dezembro, os parlamentares derrubaram integralmente o veto, mas, dois dias depois, é editada a MP.
Em relação ao Perse, trata-se aqui do fim do benefício concedido ao setor de eventos pela Lei 14.148/2021. Em função da perda de faturamento durante o período de pandemia, houve isenção de impostos como PIS, Cofins, IRPJ e Cálculo da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) até 2027. Pelo texto da medida provisória, a partir de 1º de abril de 2024 as empresas voltam a pagar a CSLL, o PIS e a Cofins e a partir de 1ª de janeiro de 2025, o IRPJ.
Para a possibilidade de compensações tributárias, a MP estabeleceu limites para o abatimento. Quando o crédito for superior a R$ 10 milhões, deverá haver um abatimento gradual. Além disso, não poderá ser menos do que 1/60 avos do total do crédito. A primeira declaração pode ser apresentada em até cinco anos, a partir do trânsito em julgado da decisão.
Outra mudança diz respeito à imposição de tempo para a utilização de créditos, o que não havia antes da MP. A partir da lei, as empresas terão de 12 a 60 meses para utilizar os créditos, dependendo dos valores envolvidos.
A limitação imposta à compensação poderá impactar 495 empresas no País, totalizando um montante de R$ 35,362 bilhões, conforme levantamento feito pela Receita Federal. Desse total, seis possuem créditos acima de R$ 1 bilhão cada.
Uma opção para as empresas seria optar por precatórios, mas a desvantagem é o tempo de pagamento. Para o governo, essa opção é vantajosa, uma vez que teria um tempo bastante estendido para quitação.
Não fica dúvidas de que a intenção do governo com a MP é recuperar a base de arrecadação da União e viabilizar um déficit zero para este ano. Porém, em função de a MP estar limitando um crédito reconhecido judicialmente, a questão pode ser discutida na Justiça. Foi o que o Partido Novo fez, ingressando no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pedindo, liminarmente, que sejam suspensos os efeitos da MP enquanto a ação não for julgada. Nos argumentos, a ADI defende que não é cabível uma MP para a matéria, em função da falta de urgência, entre outros vícios de origem.
Diante da polêmica, há, ainda, a possibilidade de a MP ser substituída por outra. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) não chegaram a um acordo sobre nenhum dos temas que envolvem a medida. A aliados, o presidente da Câmara tem dito que o acordo envolveria em torno de R$ 5 bilhões de renúncia anual por cinco anos.
Para operadores do Direito, no entanto, é clara a inconstitucionalide da MP. Um dos argumentos tem base no Código Tributário Nacional, que diz ser vedada a revogação de uma isenção que tenha prazo certo.
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Especialistas citam o direito à compensação e a não retroatividade
Alvo do governo são as grandes empresas que se beneficiaram da decisão do STF de 2021 na chamada Tese do Século
/drazen zigic/freepik/jc
Advogados da área tributária avaliam que a MP 1202, que limita a compensação de créditos tributários gerados por decisões judiciais, não pode retroagir para prejudicar contribuintes que possuem valores a receber do governo. Há quem chame, inclusive, de confisco, empréstimo compulsório ou calote.
O alvo do governo são as grandes empresas que se beneficiaram da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2021 na chamada Tese do Século, que trata da exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições federais PIS/Cofins. Nesse caso, empresas que pagaram tributos a mais no passado ganharam o direito de descontar esses valores daquilo que é devido ao governo federal ou receber a restituição por precatório.
O Ministério da Fazenda propôs parcelar o uso desse abatimento quando o valor superar R$ 10 milhões. Durante o anúncio das medidas em dezembro, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou que as decisões judiciais que ficaram acima desse patamar representaram R$ 35 bilhões em créditos tributários no ano passado. Ele disse que a restrição poderá representar uma arrecadação de cerca de R$ 20 bilhões a mais em 2024.
Flávio Paranhos, sócio do Veirano Advogados, afirma que a decisão não poderia alcançar contribuintes que possuem decisões definitivas e já entraram com pedido de compensação junto à Receita Federal. Segundo ele, em 2009, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a lei que regula a compensação tributária é aquela vigente na data do chamado encontro de contas. Em 2011, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional definiu esse encontro de contas como o momento da entrega da primeira Declaração de Compensação (DComp) ao Fisco, que traz o valor total pago a mais ao governo.
"Não há direito adquirido na compensação, ela vai seguir a norma do momento", afirma Paranhos. "O ponto é que, quando a gente fala de encontro de contas, a própria Procuradoria da Fazenda, seguindo o entendimento do STJ, diz que esse momento é a apresentação da primeira declaração de compensação", observa o tributarista. Paranhos afirma que a Receita não deve aceitar novas compensações com base nesse argumento, o que obriga as empresas a recorrerem ao Judiciário.
O escritório Mattos Filho avalia que a limitação pode ser questionada na Justiça pelos contribuintes, inclusive em razão de a restrição trazida possuir características de empréstimo compulsório. Eduardo Melman Katz, sócio da área de tributário do escritório, avalia que a restrição à MP é mais ampla e cita a impossibilidade de aplicação para créditos de ações ajuizadas antes da nova norma, em linha com manifestações do STJ em situações análogas. "Os créditos decorrentes de ações ajuizadas antes da MP não poderiam ser atingidos ", afirma o Katz.
Outra questão apontada pelos especialistas é a afronta à Constituição, tanto em relação ao direito adquirido quanto ao princípio da legalidade. A MP não poderia limitar a compensação de quem já tem ações que transitaram em julgado, mesmo que a declaração de compensação não tenha sido apresentada ainda. Além disso, o governo está impelindo o empresário a pagar uma dívida em tributos, sendo que ela tem créditos com a União.
Segundo o Ministério da Fazenda, o objetivo da medida é resguardar a arrecadação federal ante a possibilidade de utilização de créditos bilionários para a compensação de tributos. A expectativa da pasta é que em 2023 a marca de R$ 1 trilhão em débitos compensados nos últimos cinco anos tenha sido ultrapassada. Quase 40% das compensações feitas desde 2019 envolveram decisões judiciais, sendo que 90% se referem à tese do século.
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'MP 1202 fere a segurança jurídica', afirma advogado de Direito Econômico
Lúcio Antunes diz que MPs servem para assuntos urgentes
/Divulgação/JC
A publicação da MP 1202 teria o objetivo meramente arrecadatório, na avaliação do advogado Lúcio Antunes. Especialista em Direito Econômico, Antunes aponta o perigo de atos que vão de encontro ao direito líquido e certo a partir de decisões judiciais que tramitaram em julgado. O tema, diz ele, não pode ser regido por uma Medida Provisória, instrumento utilizado apenas para questões urgentes. Limitar a compensação de um crédito tributário fere o princípio do não confisco, dentro do Direito brasileiro, alerta o advogado.
JC Contabilidade - Qual sua avaliação cobre a MP?
Lúcio Antunes - A MP trata de uma dívida judicial, de créditos vitoriosos de processos judiciais com trânsito em julgado. É o que chamamos, ou pelos menos se chamava no Brasil, de segurança jurídica. Em relação à compensação, a MP afronta princípios de Direito, como o princípio do não confisco. Se temos um crédito líquido e certo, derivado de uma decisão judicial, a empresa pode usá-lo da forma que lhe convier. O governo fez isso basicamente em razão de uma perda, a partir de uma decisão do STF em relação ao ICMS.
Contab - A chamada Tese do Século?
Antunes - Exato. A partir dali, saiu uma enxurrada de valores. Como o governo está aumentando os impostos em busca arrecadação, é uma forma de diminuir as compensações e fazer com que as empresas grandes passem a compensar uma parte e pagar tributo.
Contab - A MP, então, é inconstitucional?
Antunes - MP serve para assuntos urgentes, e isso não é urgente. E o próprio texto permitiu que o ministro da Fazenda, pudesse, a seu critério, estipular esses prazos. Essa discussão já foi judicializada, está com o ministro Cristian Zanin, então, possivelmente não vai ter sucesso. Vão, de alguma forma, negociar, passando, talvez, por alongar a faixa, Declarar incondicional seria uma derrota muito forte para o governo.
Contab - Discute-se quem estaria protegido da MP, em função do momento do pedido de compensação ou fase da ação. Nenhuma das possibilidades teria cabimento?
Antunes - A MP tem efeitos para frente, não pode retroagir. Essa MP deveria, pela interpretação direta, ser utilizada para compensações de processos transitados em julgado a partir de agora. Isso me parece muito perigoso porque a interpretação seria para Receita Federal cobrar ou não de quem já está compensando e aplicar multa e tudo mais. A própria fórmula de cálculo precisa ser feita antes do início da compensação. Então, em regra, quem já está compensando deveria seguir compensando, normalmente. Para a maioria dos brasileiros não vai ter reflexo direto, mas as empresas vão reajustar preços porque não contavam que teriam que pagar esse tributo.

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