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'Sadismo sem precedente': ela se infiltra em grupos extremistas na internet

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Michele colabora com órgãos como o Ministério da Justiça, Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Polícia Federal.

Owen Cooper interpreta Jamie Miller em 'Adolescência'; série retrata o mundo oculto nas redes sociais frequentado por adolescentes
Owen Cooper interpreta Jamie Miller em 'Adolescência'; série retrata o mundo oculto nas redes sociais frequentado por adolescentes Imagem: Divulgação/Netflix

Perigo até fora das big techs

Ela está em diferentes plataformas: TikTok, Telegram, Discord, Zangi, Rumble. A escolha por focar seu trabalho em aplicativos não tão conhecidos é porque Michele acredita que o perigo maior acontece longe das gigantes, as chamadas big techs.

"As discussões públicas de regulamentação se concentram nas big techs. Por mais que elas ainda tenham falhas, algumas têm políticas de segurança mais eficazes do que o próprio governo. Nosso cenário hoje é de dezenas de plataformas de risco", pontua.

Ela explica que, no imaginário das pessoas, esses grupos extremistas atuam apenas na deep web —ou web profunda, a parte da internet com páginas não indexadas, ou seja, uma rede invisível para a maioria dos usuários e que não aparece nos principais mecanismos de busca.

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Mas eles também estão na "superfície" —só não é tão fácil e intuitivo de encontrar. Não basta baixar o aplicativo e criar uma conta.

"Tem muito estudo por trás. Quem entra sem saber o que está procurando não encontra muita coisa, passa despercebido. Vai ver determinada imagem e não vai fazer nenhum tipo de relação com um conteúdo de violência, terrorismo, algo aliciador", explica ela.

A nossa ameaça maior são essas práticas criminosas, que incluem desde o aliciamento até a execução, em transmissão ao vivo na superfície da internet. Qualquer pessoa pode acessar: desde uma criança de cinco anos até um adulto.
Michele Prado

Esse recrutamento, segundo ela, acontece principalmente por meio de jogos e de vídeos nas redes sociais.

A qualquer momento, quem está jogando pode se deparar com um convite e ser redirecionado para espaços restritos no Telegram, Discord ou SimpleX, uma plataforma de comunicação, com privacidade garantida.

A comunicação, em minoria, pode acontecer também por meio de fóruns, os chamados "chans".

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'É a violência pela violência'

Michele afirma que a série "Adolescência", apesar de ser uma ficção, é um retrato da realidade. A produção mostra o espanto dos pais de um garoto de 13 anos que descobrem que o filho é acusado de homicídio. A investigação revela conversas violentas que aconteciam nas redes sociais, sem que a família soubesse.

"Ela foi baseada em um conjunto de incidentes que estamos enfrentando, já há alguns anos, no mundo. E é uma realidade em que a gente vê cada vez pessoas mais jovens."

O que é ensinado? Discursos de ódio contra grupos, pessoas e até contra si mesmo. E as estruturas organizacionais são fluidas e horizontais. Não existe um líder a seguir, por exemplo. "É totalmente transnacional, fluido e descentralizado", alerta.

A pesquisadora também destaca a existência das subculturas, como o grupo conhecido como incel (celibato involuntário) — que coopta adolescentes e adultos ressentidos pelo insucesso sexual.

Existem outros que promovem, por exemplo, automutilação, suicídio, transtornos alimentares, canibalismo, etc.

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A maior ameaça no momento, segundo ela, é uma rede nomeada 764, que tem o objetivo de destruir a sociedade por meio da exploração de vulneráveis. Esses grupos atuam com a disseminação de manuais e instruções de violência.

O objetivo desses grupos, no entanto, seria simples: promover o caos por meio da violência. Não existe o desejo de colocar outra ordem social no comando ou outra ideologia. "É a violência pela violência", destaca Michele.

'É um sadismo sem precedentes'

Discursos de ódio e violência também ocorrem na 'superfície' da internet
Discursos de ódio e violência também ocorrem na 'superfície' da internet Imagem: Getty Images

Michele dedica praticamente todo o seu tempo em estudo, pesquisa e monitoramento. Ela entra nos grupos, faz relatórios, analisa e conversa com outros pesquisadoras. Assim como os grupos extremistas, o combate também tem de unir as nações.

E mexer com o vespeiro traz riscos para ela. Como medida de segurança, ela não posta nada em tempo real. Se faz uma palestra em outra cidade, só posta quando já está voltando para casa. Ela não segue a filha e nem a escola em que ela estuda.

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É um impacto muito forte para a nossa saúde mental e emocional, porque a gente lida com conteúdos que são muito violentos. É um sadismo sem precedentes em que crianças são tanto vítimas quanto agressoras.
Michele Prado

Para os pais, a pesquisadora alerta: é importante ficar atento ao comportamento dos filhos, que pode ter mudanças repentinas, e até de animais de estimação, que podem ser alvo de violência. Alguns sinais de alerta no comportamento dos adolescentes são:

  • Isolamento social.
  • Existência de 'segredos'.
  • Agressividade com os responsáveis.
  • Não deixar mexerem no celular ou computador.
  • Recebimento de presentes de estranhos.
  • Gastos de dinheiro acima do comum.
  • Uso de roupas compridas mesmo no calor.

Para quem pedir ajuda?

Michele orienta os pais a procurarem o Ministério Público e delegacias, especialmente se há ideação mais grave, como suicídio, ataques ou atentados, para uma intervenção primária. "A outra parte é a assistência psicológica e psiquiátrica. Isso é fundamental para conseguir minimizar os danos e atender esse adolescente ou criança."

Ela pondera, no entanto, que falta no Brasil um canal anônimo, semelhante ao CVV (Centro de Valorização a Vida), para dar apoio qualificado a essas pessoas de forma que não se sintam estigmatizadas —já que pode existir "medo" de recorrer aos pais ou responsáveis.

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As plataformas citadas por ela foram procuradas por Tilt, mas não comentaram. A reportagem não conseguiu contato com a plataforma Rumble. O espaço segue aberto.

Procure ajuda

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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