As tarifas de 50% sobre produtos brasileiros pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, entraram em vigor nesta quarta-feira (06). Embora o líder norte-americano tenha recuado e excluído 694 itens do tarifaço, o Rio Grande do Sul ainda terá setores fortemente impactados, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado (Fiergs). Assim, lideranças econômicas e políticas têm avaliado a situação e buscado mitigar os efeitos esperados.
Conforme estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Rio Grande do Sul será o segundo estado mais impactado do País. A estimativa é de que possa haver uma queda de R$ 1,9 bilhão no PIB gaúcho em um ano.
Pensando nisso, o presidente da Fiergs, Claudio Bier, se reuniu com o vice-governador gaúcho Gabriel Souza (MDB) para apresentar reivindicações da Federação ao governo estadual. Por um lado, foi solicitada a liberação de créditos do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre exportações. Por outro, a ampliação em pelo menos 100% da linha de crédito de R$ 100 milhões anunciada pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).
Conforme aponta o coordenador do Conselho de Relações do Trabalho (Contrab) do Sistema Fiergs, Guilherme Scozziero, a agenda foi positiva, sendo possível ver uma boa recepção das demandas da federação por parte do governo estadual. Entretanto, ele avalia que ainda é necessário aguardar as ações organizadas pelo governo federal, que até o momento de publicação desta matéria ainda não haviam sido anunciadas.
“Esperamos que venham medidas de alívio em relação à folha de pagamento, à redução de jornada e salários com complementação do valor através do governo federal. São medidas que já foram aplicadas às indústrias em episódios muito recentes, como a pandemia e as enchentes de 2024”, projeta Scozziero.
Tanto as soluções propostas ao vice-governador quanto as que o executivo espera do governo federal buscam mitigar os impactos do tarifaço no curto prazo. “Até que se resolva a questão do tarifaço na linha da diplomacia e das relações internacionais pela negociação ou até que as empresas consigam outros mercados, as empresas ainda têm uma série de responsabilidades e despesas que elas precisam honrar. Inclusive, com a mão de obra. E essas medidas podem mitigar prejuízos como eventos grandes de demissões”, acrescenta Scozziero.
Bier e outros representantes do Rio Grande do Sul já haviam se reunido com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) para discutir o contexto do Estado frente às tarifas americanas antes de elas entrarem em vigor. Na ocasião, uma das demandas apresentadas pela Fiergs foi para a formulação de ações compensatórias internas, como facilitação de crédito e capital de giro para empresas afetadas, reforço de mecanismos de reintegração tributária, incentivos à manutenção de empregos e ações de acesso a novos mercados.
O encontro, na ocasião, foi considerado positivo por Bier. “Se falou muito em diálogo, Alckmin, por diversas vezes, repetiu o que nós viemos pregando desde o início. Essa crise só pode se resolver com muito diálogo, muita paciência e muita partilha”, pontuou à imprensa à época.
Quem também buscou Alckmin foi o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD), que se encontrou com o vice-presidente nesta quarta-feira. Na ocasião, foi entregue pelo líder do Executivo gaúcho um ofício em apoio às demandas da Fiergs.
O governador afirma ter recebido de Alckmin a sinalização de que o governo federal trabalha em um pacote de medidas de apoio às empresas impactadas. Conforme divulgado à imprensa, o vice-presidente teria afirmado que já está em diálogo com autoridades americanas na busca por novas exceções às tarifas e que estuda ações para dar suporte às empresas.
Possíveis demissões preocupam a indústria
Entre os temores da indústria de transformação está a possibilidade de demissões sistemáticas e layoffs. Especialmente, em setores que possuem dependência das exportações para o mercado americano, como o de armas de fogo e o de calçados de couro, que enviam aos Estados Unidos, respectivamente, 85,9% e 47,5% da sua produção, conforme a Unidade de Estudos Econômicos da Fiergs.
Uma das possíveis soluções para mitigar os empregos seria pela busca de novos mercados, o que, no entanto, demandaria tempo para acontecer. É o que afirma o advogado tributarista Auro Ruschel: “Temos uma janela neste tempo de resposta e não há como avaliar quanto tempo ela dura. E aí vem a pergunta: o que fazer nesta janela?”, avalia.
A medida, entretanto, não é eficaz em todos os setores. “Muitas vezes, tem situações em que os mercados são muito peculiares. Então, não pode nem estocar o produto porque não se sabe exatamente se ele vai ser vendido ou se ele vai ter que ser adaptado ao novo cliente”, explica Scozziero.
Um exemplo disso está no setor calçadista: “É uma situação que gera uma preocupação muito grande, porque o calçado exportado para os Estados Unidos tem uma forma diferente que a de outros países, incluindo o Brasil. Muitas marcas já exportam para lá com a marca do cliente. E, nesses casos, o industrial não tem outra alternativa a não ser destruir a própria produção, porque ele não pode comercializar”, acrescenta Scozziero.
Neste contexto, a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) chegou a estimar uma perda de cerca de 8 mil postos de trabalho diretos no setor. Somando os indiretos, o número pode chegar a 20 mil empregos. No Rio Grande do Sul, a Fiergs aponta que o setor é líder em empregabilidade, registrando 31.555 dos cerca de 686 mil trabalhadores da indústria de transformação gaúcha.
O cenário tem sido estudado cautelosamente. Principalmente, considerando que o Estado possui um caráter exportador. “Somos o segundo maior exportador para o mercado americano, perdendo apenas para São Paulo. E isso se dá pela vocação de fazer produtos acabados, como os do polo metal-mecânico da Serra Gaúcha. Essa característica faz com que o tarifaço seja sentido fortemente na nossa economia local”, explica Ruschel.
“Estamos avaliando de que maneira as empresas possam diminuir sua atividade e, em alguns casos suspender a produção, mantendo o vínculo de emprego com os trabalhadores, assim como já foi feito em outros momentos. O que precisamos é de regulamentação legal para isso”, acrescenta Scozziero.
Instabilidade econômica pode levar empresas a buscarem outros países
Outro temor diz respeito a uma possível debandada de empresas do Rio Grande do Sul a outros países. “É um caminho natural, porque se não conseguimos resolver aqui, o industrial vai acabar encontrando uma solução e, talvez, em algum momento, acabar saindo daqui. O Trump diz que quer que as empresas vão para os Estados Unidos e tem algumas delas com condições de fazer isso”, pontua Scozziero.
Alguns destinos latino-americanos destacados por Scozziero são o Paraguai e a Argentina, próximos geograficamente do Rio Grande do Sul e, segundo o representante da Fiergs, “ávidos por empresas brasileiras”. “No caso da Argentina, as tarifas foram praticamente zeradas e isso vai representar um crescimento grande para o país”, acrescenta Scozziero. Ele ainda ressalta que o movimento inverso já foi realizado em momentos de instabilidade econômica no país vizinho.
A percepção é compartilhada por Ruschel. “Minha preocupação é a de que empresários notadamente exportadores comecem a pensar em ir embora daqui, se reorganizem de um ponto de vista societário e olhem para outros países como forma de sobreviver nesse ambiente de guerra comercial. Então, todo esse cenário e suas consequências mais agudas são, ainda, uma incógnita”, avalia.
Confira os setores mais afetados
Os 10 ramos industriais gaúchos com maior exposição aos Estados Unidos JC
Comentários
Aproveite ao máximo as notícias fazendo login
Entrar Registro